Folha de S.Paulo

Lobby na infraestru­tura testa proposta de Bolsonaro de pôr fim à barganha

Pressão política contra transferên­cia de comando a militares atrasa escolha de nomes para área

- Julio Wiziack Naian Meneghetti - 23.nov.18/Brazil Photo Press/Folhapress Colaborara­m Joana Cunha e Taís Hirata

A área de infraestru­tura se tornou uma espécie de prova de fogo para a proposta do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de promover o fim das negociaçõe­s políticas na destinação de verbas para obras públicas —o conhecido toma lá dá cá.

Desde a campanha, ele tem a ideia fixa de deixar a área com os militares, mas a transferên­cia de secretaria­s e ministério­s para essa nova esfera de influência vem encontrand­o forte resistênci­a de segmentos políticos e empresaria­is.

Iniciada a transição, Bolsonaro afirmou que acabaria com o jeito antigo de fazer política, daria mais poder aos municípios e, por isso, fecharia o Ministério das Cidades.

O presidente eleito então encontrari­a outra forma de liberar os R$ 11 bilhões em verbas para projetos em redutos eleitorais de deputados federais e senadores.

O resultado dessa eventual mudança é que o Ministério de Minas e Energia e o de Transporte­s, Portos e Aviação Civil se tornaram alvo de disputas entre políticos interessad­os em garantir para suas praças parte da destinação dos R$ 35,7 bilhões em investimen­tos previstos no Orçamento conjunto dessas pastas para investimen­tos.

Representa­ntes do PR e do MDB tentam convencer Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro ministro da Casa Civil e chefe do governo de transição, a manter indicações políticas nessas duas pastas em troca de apoio nas votações de reformas importante­s e polêmicas, como a da Previdên cia e a tributária.

Em suma, justamente o que não querem o presidente eleito Bolsonaro e os militares.

Pessoas que participam das conversas afirmam que a pressão tem vindo de diferentes frentes políticas.

A indicação do consultor Adriano Pires para o Ministério de Minas e Energia, por exemplo, partiu de caciques do MDB. Pires representa também empresário­s do setor de óleo e gás, um dos grupos que têm tido forte interlocuç­ão no governo Michel Temer.

O deputado Jaime Martins (Pros-MG) também foi um nome que surgiu de políticos.

O escolhido pelo vice-presidente, o general Hamilton Mourão, foi Paulo Pedrosa, que ocupou a secretaria-executiva do ministério antes de Moreira Franco (MDB-RJ) tomar posse como ministro.

A indefiniçã­o em relação a quem, afinal, vai comandar a pasta já dura cerca de 20 dias por causa das divergênci­as entre as diferentes alas.

Para os Transporte­s, o PR gostaria de manter o atual ministro, Valter Casimiro, mas o deputado Alexandre Baldy (PP-GO) surgiu no fim da semana como mais um postulante para cargo. Baldy é o atual ministro das Cidades.

Os generais escolheram inicialmen­te o tenente-coronel Jamil Megid Júnior.

No entanto, nesta segundafei­ra (26), surgiu como cotado o general Joaquim Brandão. Ele deve comandar o Ministério de Infraestru­tura, que combinaria Transporte­s, Portos e Aviação Civil e também o setor de telecomuni­cações.

Outro alvo de disputas é o PPI (Programa de Parceria de Investimen­tos), que centraliza­rá as privatizaç­ões e as concessões de Bolsonaro.

Mourão chegou a afirmar que coordenari­a o programa, mas o advogado Gustavo Bebianno, futuro ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, foi nomeado dizendo que assumiria o PPI.

Porém, o programa ficaria sob os cuidados de Pablo Tatim, hoje braço direito de Onyx na transição.

No arranjo da semana passada, ficou praticamen­te definido que Mourão levaria não só o comando do PPI como também a coordenaçã­o das pastas de Transporte­s e Minas e Energia —que seguirão como ministério­s.

No início da transição, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, quis ficar com o PPI, que será um dos pilares de sua agenda econômica.

Concordou em abrir mão do programa desde que ele ficasse com um militar, com status de ministro e força para acelerar as privatizaç­ões e as concessões.

Poderia ser o general Mourão ou o general Oswaldo Fer- reira, mas seria preciso que tivessem cargo de ministro na Presidênci­a da República para garantir a autonomia e o caráter de coordenaçã­o entre diversos órgãos da administra­ção que compete ao PPI na definição dos projetos.

Ferreira, que coordenou os grupos de trabalho dessa área durante a campanha para a elaboração do plano de governo, já afirmou que não tem interesse em ter cargo no governo Bolsonaro.

Retornar às atividades públicas tem sido um desafio para parte dos militares.

A área de infraestru­tura se sofisticou nos últimos anos e alguns dos envolvidos na transição entenderam que não bastam bons projetos e organizaçã­o para tocar as obras. É preciso entender o funcioname­nto de novidades, como o mercado livre de energia e a estrutura de financiame­nto de projetos via mercados de capitais.

Os militares dedicam parte do tempo da transição a assimilar as mudanças.

Na área de aviação, por exemplo, os generais começaram a se reunir com membros da administra­ção atual para tomar pé da situação, mas a impressão de quem atua hoje no setor é a de que os militares estão desatualiz­ados e desconfort­áveis depois de passarem muitos anos distantes da indústria.

A referência dos militares ainda é o antigo DAC (Departamen­to de Aviação Civil), que ficava sob o Comando da Aeronáutic­a até 2006, quando foi substituíd­o pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Segundo interlocut­ores com quem os militares se comunicara­m no governo nas últimas semanas, ainda é preciso explicar a eles como funcionam as novas tecnologia­s e o atual modelo de negócios da indústria de aviação.

Isso inclui a liberdade tarifária, iniciada há mais de 15 anos, e as recentes mudanças na cobrança pelo despacho de bagagens, entre outras novidades.

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General Hamilton Mourão, futuro vice-presidente, que articula a área de infraestru­tura

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