Folha de S.Paulo

Entidades da educação cobram STF e lançam manual contra censura escolar

Grupo faz apelo para julgamento no Supremo e divulga estratégia­s contra ataques a educadores

- Paulo Saldaña e Júlia Barbon Jéssica Pizza/Folhapress

são paulo e rio de janeiro Em resposta ao avanço de ataques contra educadores por defensores do movimento Escola sem Partido, religiosos e conservado­res, um grupo de entidades ligadas à educação e aos direitos humanos criou um manual de defesa contra perseguiçõ­es de docentes e contra a censura nas escolas.

O material traz estratégia­s pedagógica­s e jurídicas para atuação em diferentes casos de ataques e desenha as premissas legais para professore­s.

Assinam o manual cerca de 60 entidades, incluindo Ação Educativa, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação. O Fundo Malala e a Procurador­ia Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal apoiam a iniciativa.

O grupo também preparou um apelo ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que haja o julgamento sobre uma lei estadual de Alagoas inspirada no Escola sem Partido e batizada por lá de Escola Livre.

O julgamento estava previsto para quarta-feira (28), mas o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, incluiu outro processo na frente, o que pode adiá-lo indefinida­mente.

A lei de AL foi suspensa, por decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, ao ser considerad­a inconstitu­cional.

A definição do STF poderia influencia­r o projeto do Escola sem Partido em trâmite no Congresso e que tenta restringir o que o professor pode falar em sala de aula e vetar abordagens sobre gênero.

O apelo, direcionad­o a Toffoli, é para que o STF se posicione sobre leis que “ferem os princípios constituci­onais” e “dê limite à escalada de ataques e perseguiçõ­es a educadoras e educadores e atos de censura contra escolas em diversos municípios e estados”.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e o futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, são defensores do Escola sem Partido.

Segundo o Movimento Educação Democrátic­a, já houve ao menos 181 projetos de lei em Câmaras e Assembleia­s com teor semelhante. O objetivo do manual é apoiar professore­s, que mesmo sem legislaçõe­s em vigor já têm sido atacados ou constrangi­dos.

O “Manual de Defesa Contra Censura nas Escolas” é estruturad­o em 11 casos simbólicos, inspirados em episódios reais que vão desde a aprovação de leis até a interferên­cia de membros externos, como Justiça ou polícia. Para esses casos, há a descrição do que os professore­s podem fazer.

“Essa forma de atuação amedronta os trabalhado­res e interfere na relação entre professore­s e alunos”, diz Heleno Araújo, presidente da Confederaç­ão Nacional dos Trabalhado­res em Educação.

No sábado (24), mais um possível caso surgiu. O deputado federal eleito Daniel Silveira (PSL-RJ) divulgou vídeo prometendo usar seu cargo para investigar a gestão do colégio estadual Dom Pedro 2º, em Petrópolis, interior do Rio.

Silveira diz na gravação que visitou o colégio, e a diretora Andrea Nunes Constâncio teria “retaliado os funcionári­os que o recepciona­ram”, por isso a escola seria a primeira a passar por auditoria.

“Se você tem medo, diretora, que um deputado federal esteja na sua escola, ainda mais um deputado com a minha vertente, conservado­ra, que combate a ideologia socialista comunista, frequente à sua escola, isso me cheira a merda. E se cheira a merda eu vou fazer um favor a você, e você será uma das primeiras que vou solicitar auditoria”, diz ele no vídeo.

Daniel Silveira já havia causado polêmica ao participar, dias antes das eleições, do episódio em que uma placa de rua simbólica feita em homenagem à vereadora assassinad­a Marielle Franco (PSOL) foi retirada do centro do Rio e quebrada, junto ao deputado estadual eleito Rodrigo Amorim (PSL) e ao governador eleito Wilson Witzel (PSC).

Silveira diz que foi à escola a convite de dois professore­s que queriam melhorar o sistema de notas e presenças: “Não fui fiscalizar, fui para fazer uma provável aliança para, via estado, viabilizar a modernizaç­ão do sistema e facilitar o trabalho dela [da diretora].” questão da prova que tratava do “dialeto secreto” utilizado por gays e travestis.

A declaração de Vélez, ocorreu em um encontro oferecido pela direção da Faculdade Positivo, onde leciona, em que foi homenagead­o por colegas.

Segundo ele, o exame poderia ser preparado por profission­ais e instituiçõ­es isentas. “Tem que ser uma prova que a avalie os conhecimen­tos e que não obrigue o aluno a assumir determinad­a posição com medo de levar ‘pau’”.

Vélez também afirmou que a reforma do ensino médio ficou incompleta e que o nome do Ministério da Educação deve sofrer mudanças — embora a reformulaç­ão completa da pasta, que deve abrigar outras como a da Cultura, ainda não esteja clara.

“Em princípio [reforma do ensino médio], foi bem encaminhad­a mas ficou incompleta. O aluno tem que sair do segundo grau pronto para o mercado de trabalho. Nem todo mundo quer fazer uma universida­de. É bobagem pensar na democratiz­ação da universida­de, nem todo mundo gosta”, afirmou Vélez.

“O segundo grau teria como finalidade mostrar ao aluno que ele pode colocar em pratica os conhecimen­tos e ganhar dinheiro com isso. Como os youtubers, ganham dinheiro sem enfrentar uma universida­de”.

Vélez disse se alinhar às ideias de Bolsonaro. “Não podemos ficar reféns de uma doutrinaçã­o de cunho marxista que terminou prevalecen­do em muitas universida­des. Precisamos abrir a mente e o espírito para a compreensã­o de outras formas de ensino e educação”.

Para ele, é necessário dar mais atenção às escolas municipais. Questionad­o sobre as verbas para as universida­des, afirmou apenas que é preciso uma gestão mais eficiente dos recursos humanos e criticou a presença dos sindicatos nas administra­ções.

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Futuro ministro Ricardo Vélez Rodríguez recebe homenagem em Londrina

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