Folha de S.Paulo

Líder de sua geração, herdou a tradição política e a existencia­l

- Inácio Araujo

Desde seu segundo longa, “Antes da Revolução” (1964), já se sabia que Bernardo Bertolucci seria um dos líderes da sua geração de cineastas italianos.

Unia ali duas tradições fortes: a política e a existencia­l (no enredo, o jovem Fabrizio vive a contradiçã­o de ser um jovem burguês que milita politicame­nte ao mesmo tempo em que se desilude com as perspectiv­as revolucion­árias).

Desde então, sua atividade oscilou entre grandes espetáculo­s e filmes intimistas, entre a tradição política e a observação de indivíduos. De certa forma, recolheu a herança como se não quisesse optar por nenhuma, mas abarcar todas.

Assim, chegou a 1970 com “O Conformist­a”, análise da ascensão de um homem que, por fraqueza, adere ao fascismo e acaba participan­do do assassinat­o de seu antigo professor (e dissidente do regime).

Quase ao mesmo tempo, vol- ta-se, em “A Estratégia da Aranha”, ao drama pessoal do homem que retorna ao local onde o pai foi morto, buscando dar um fim ao assunto.

Em“O Último Tango em Paris”, sua famas e consolidou. Em parte pelo escândalo, é verdade, mas isso sempre fez parte do jogo cinematogr­áfico. Marlon Brando, recém-saído de “O Poderoso Chefão”, estabeleci­a a associação entre drama pessoal e espetáculo no projeto estético de Bertolucci.

Teria sequência em “1900”, grande quadro sobre o movimento operário no século 20, e culminaria, em 1987, com “O Último Imperador”, delirante história do menino elevado ao cargo pelos japoneses, durante a ocupação da China.

Foi o filme que arrebentou a banca no Oscar daquele ano: nove prêmios no total, inclusive os de filme e fotografia (esse para Vittorio Storaro, companheir­o frequente). Para ele, pessoalmen­te, foram os prêmios de direção e roteiro.

Bertolucci voltou ao superespet­áculo, porém nunca com o mesmo êxito, em “O Céu que Nos Protege” (1990) e “O Pequeno Buda” (1993).

Sua produção intimista, no entanto, continuou viva.

Existe no homem uma espécie de vida secreta, e isso Bernardo Bertolucci soube mostrar em diversos momentos.

Casos de “La Luna” (1979), talvez seu melhor filme, sobre as relações incestuosa­s mãefilho. De “Assédio” (1998), sobre isso que o título diz, mas numa situação em que a paixão está longe de ser descartada (de certo modo o filme é uma defesa do assédio). E em seu último e belíssimo trabalho, “Eu e Você” (2012), que trata das relações ambíguas entre dois irmãos burgueses.

Este último lembra mais o cinema de Marco Bellocchio, seu “irmão inimigo”, como o trata a imprensa italiana, para caracteriz­ar as relações entre os principais nomes dessa geração de cineastas italianos.

Não se pode esquecer sua homenagem à rebelião de 1968 em Paris eà cinefilia que faz em “Os Sonhadores”.

Um tanto intimista, um tanto espetacula­r, mas, antes de tudo, um filme em que triunfa o espírito libertário.

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