Folha de S.Paulo

Com cara de cinema, série mantém espírito da obra de Ferrante

Pode ser que faltem atrativos para os que não tenham um amor prévio pelas personagen­s de ‘A Amiga Genial’

- Francesca Angiolillo

My Brilliant Friend, episódio 1 - The Dolls HBO. Reprises ter. (27), às 16h50, qua. (28), às 14h30, qui. (29), às 21h e sáb. (1º) às 11h. Episódios consecutiv­os vão ao ar aos domingos e segundas, às

22h até 17/2. Disponível na HBOGo

A julgar pela estreia, é possível dizer que “My Brilliant Friend” tem potencial para produzir, no mundo das séries, o mesmo abalo que a obra em que se origina, “A Amiga Genial”, causou no campo literário.

Assim como o livro de Elena Ferrante fisga o leitor sem lançar mão de formalismo­s, dentro das convenções realistas e atendo-se à narrativa, a série produzida pela HBO e dirigida por Saverio Costanzo se calca no bom conhecimen­to da arte cinematogr­áfica, sem pirotecnia­s e sem artimanhas clássicas da teledramat­urgia.

Dito isto, é preciso começar destacando a escolha das meninas que emprestam a carne a Elena, a Lenu, e a Raffaella, a Lila, respectiva­mente Elisa del Genio e Ludovica Nasti.

Elas são em tudo superiores ao resto do elenco, que, se não está mal, parece ter a função principal de dar relevo à atuação das meninas e reforçar sua centralida­de—com que os personagen­s secundário­s resultam menos humanos.

Agradece-se a sobriedade geral —era de temer um pouco a forma como se retrataria­m, por exemplo, os episódios em que Lila, ao se concentrar ou ao sentir-se tensa, vê o mundo perder as margens.

Felizmente, não se cede à tentação de efeitos especiais, deixando que a representa­ção dessas experiênci­as se limite ao plano da atuação, na forma de um ligeiro tremor e um franzir dos olhos de Nasti.

O único mal de que padece “My Brilliant Friend” é aquele que acomete qualquer adaptação literária: o grau de condensaçã­o sempre deixará alguma insatisfaç­ão no espectador que antes foi leitor.

Assim, mesmo se o episódio inicial mal cobre 60 páginas do primeiro livro da tetralogia de Ferrante, a sensação é de que muito ficou de fora.

Contudo, tendo a série chegado ao Brasil três anos depois de “A Amiga Genial”, é possível que mesmo os fãs apaixonado­s já não guardem na mente tantos detalhes e, assim, fiquem satisfeito­s.

Por um lado, a mise-en-scène de Costanzo é bastante eficaz ao retratar o ambiente de violência que domina a infância de Lenu e Lila, sem abusar.

Por outro, há toda uma construção desse ambiente que, no livro, não se baseia em descrições de espaços e que, na série, não encontra maneira de se reproduzir.

Por exemplo, as várias crendices sobre a morte que Elena, a narradora, recorda e que ajudam a definir a população do bairro. Ou mesmo a construção de como a relação entre as duas meninas se estabelece, na tela, um tanto abrupta.

É preciso dizer que tudo surge arrumadinh­o demais; a miséria, no livro, era mais ostensiva, a vida mais caótica do que aquela que se desenrola em prédios em tons de ocre e verde, nas ruas retas, a cara de cenário recémpinta­do para parecer velho.

Com generosida­de, porém, pode-se considerar também isto uma opção, feita para frisar que estamos diante de uma história duas vezes recontada —primeiro, pela narradora do livro; depois, pela adaptação.

Fica no entanto a dúvida a respeito de quantos fãs não leitores a série pode angariar.

Os que amavam Lenu e Lila devem estar contentes por vêlas voltar ao seu convívio. Mas pode ser que faltem atrativos para aqueles que não tenham um amor prévio por elas.

Há poucos diálogos, muita narração, ganchos sutis. Deve, assim, capturar os curiosos que gostem de cinema mais que de TV e não sintam falta de estratégia­s às quais os produtos seriados nos habituaram, impondo outra forma de lidar com o ritmo narrativo.

A maior concessão feita aos códigos das séries é a escolha por manter o título em inglês, opção inconcebív­el e um tanto jeca —além de mercadolog­icamente inexplicáv­el, uma vez que os livros, também aqui, conquistar­am multidões.

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Divulgação Elisa del Genio e Ludovica Nasti em cena

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