Folha de S.Paulo

NOVAS CASAS EM MARIANA

Famílias de comunidade destruída pela lama ajudam a definir a cara de novo vilarejo, prometido para 2020 25 arquitetos trabalham em mais de 240 obras, de residência­s a equipament­os públicos

- Fotos Lalo de Almeida/Folhapress Gabriela Longman e Lalo de Almeida

Três anos após a tragédia de Mariana (MG), moradores como Antônio Quintão ajudam na reconstruç­ão de casas destruídas pela lama da mineradora Samarco. Arquitetos e atingidos trabalham em mais de 240 obras, entre residência­s e equipament­os públicos, como um posto de saúde (desenho do projeto abaixo).

Eles perderam as casas que tinham, e a pergunta que ressoa é: como recuperar o irrecuperá­vel? Passados três anos do maior desastre ambiental do Brasil, moradores do distrito de Bento Rodrigues, principal comunidade de Mariana (MG) destruída pela lama da mineradora Samarco, vivem o momento de projetar um novo distrito e suas futuras casas dentro do processo de compensaçã­o.

Numa negociação intrincada entre a Comissão de Atingidos, o Ministério Público e a Fundação Renova (estabeleci­da em agosto de 2016 pela Samarco), cada ponto do processo é discutido e disputado até a conclusão. Foi assim com a escolha do terreno e com o tamanho e as caracterís­ticas dos futuros lotes do reassentam­ento. Agora, o momento é o de preparar a licitação para definir a empresa que vai construir as primeiras casas.

A Folha teve acesso a alguns dos projetos desenhados em conjunto pelas famílias atingidas e pelo time de arquitetos contratado pela Renova.

Elas foram planejadas a partir das lembranças e vontades de cada morador —desde a disposição dos cômodos até a escolha dos revestimen­tos.

“Nada do que a empresa e a Fundação Renova estão fazendo é de espontânea vontade, mas fruto de pressão e de uma série de acordos e decisões judiciais exigindo atuação participat­iva”, afirma o promotor Guilherme de Sá Meneghin, que atua no caso desde os primeiros instantes da tragédia, em novembro de 2015 —a Samarco é uma sociedade da Vale e da anglo-australian­a BHP Billiton.

“Não podíamos aceitar um reassento ao estilo Minha Casa Minha Vida, porque não era a realidade deles”, completa.

O plano é que esse modelo de reassentam­ento participat­ivo sirva de exemplo para outros afetados por desastres.

Morador da antiga rua São Bento, Antonio Alves, 73, e família eram conhecidos pelas festas no quintal. Pneus pintados e antigos bancos de ônibus coloriam o espaço, que recebia os aniversári­os e churrascos de fim de ano. Depois do desastre, a família morou em três casas alugadas, mas sente falta da área livre, do pomar e do fogão à lenha.

“Só quero uma casa minha para onde possa voltar, pregar um prego e pendurar um quadro. Não vou furar parede na casa dos outros”, diz o aposentado, que ao longo da vida trabalhou em empresas ligadas a carvão e alumínio.

Inspirada na morada original, o projeto para a nova casa ganhou janelas-balcão, lavabo e uma planta em H que melhora a ventilação e a circulação. “É uma releitura da casa anterior”, explica o arquiteto Paulo Carneiro, 33. “Ele [Antonio] sempre falou: ‘Eu quero simplicida­de’. Ficou uma casa bem mineira.”

Os encontros entre arquitetos e atingidos acontecem desde 30 de maio. De lá para cá, cerca de 90 dos 240 projetos do novo Bento foram desenvolvi­dos, além do desenho de equipament­os públicos como escola e posto de saúde.

Nas próximas semanas, os moradores começam a visitar os lotes. Enquanto alguns querem a nova casa mais parecida o possível com a que perderam, outros preferem esquecer e começar tudo do zero.

Fruto da autoconstr­ução, muitas das casas originais não tinham laje, a caixa-d’agua era exposta e a ocupação do terreno nem sempre obedecia aos critérios da legislação.

“Tem muita gente que fala: ‘Eu mesmo posso fazer’. A gente tenta explicar que está aqui com uma visão técnica para ajudar”, conta a arquiteta Ana Maria Martins da Costa.

“Tem morador que diz: ‘Quero tal coisa porque minha casa infiltrava’. Quando a gente explica que não vai infiltrar, os parâmetros e as opções vão mudando.”

Uma das primeiras casas projetadas por ela foi a do casal Lilian Cristina Soares e Cleisson Calixto, conhecido como Foguinho, que começava a construção da casa quando o desastre aconteceu.

“A gente tinha o lote num dos primeiros lugares que a lama passou”, conta Lilian. “No projeto só ia dar dois quartos. Eu tenho três meninos e uma menina e falei: ‘Não, eu quero com três’. Ela [arquiteta] levou, refez tudo. Pelo projeto ficou melhor do que a que nós íamos fazer. Agora a gente está esperando.”

O processo de espera inclui pelo menos uma reunião semanal —enquanto alguns atingidos são participan­tes assíduos, outros vão apenas quando há uma decisão importante a tomar.

 ?? J+T Projetos/Divulgação ??
J+T Projetos/Divulgação
 ??  ??
 ??  ?? 1 Operários fazem obras para preparar o terreno que receberá o novo distrito de Bento Rodrigues, onde 2 Antonio Alves, 73, e a família viverão em uma nova casa 3 , com desenho inspirado na moradia anterior 4, destruída pela lama
1 Operários fazem obras para preparar o terreno que receberá o novo distrito de Bento Rodrigues, onde 2 Antonio Alves, 73, e a família viverão em uma nova casa 3 , com desenho inspirado na moradia anterior 4, destruída pela lama
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? J+T Projetos/Divulgação
J+T Projetos/Divulgação

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil