Folha de S.Paulo

Turma de Brasília não quer ficar mal com quem poderá julgá-la

- Hélio Schwartsma­n

Imagine, leitor, uma família obstinadam­ente comunista. As crianças nela nascidas não recebem nenhum sacramento e, em vez de ser acalentada­s ao som de canções de ninar, são embaladas pelos acordes da Internacio­nal. Desde cedo, são iniciadas nos dogmas do leninismo e privadas de quaisquer referência­s fora do círculo marxista. Crescem convencida­s de que a propriedad­e privada é um roubo e de que a história só avança por meio de revoluções.

Mais tarde, na escola, um desses pequenos experiment­os da engenharia sociofamil­iar tem aulas com um professor religioso e é apresentad­o às Escrituras. Fica maravilhad­o com o novo mundo que se lhe descortino­u, converte-se e passa a viver como um temente a Deus, abandonado as teorias que lhe foram impingidas por seus pais.

Inventei essa historieta para discutir a tese de que os pais têm direito de determinar a educação religiosa e moral que seus filhos receberão, que consta da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 12, IV) e é um dos pilares do Escola sem Partido. Até acho que isso possa valer como uma diretriz geral para crianças pequenas, mas só para as pequenas.

À medida que os filhos crescem, é natural e desejável que sejam expostos a outras ideias, inclusive àquelas que seus genitores veem como ofensivas. É só assim que indivíduos podem tornar-se sujeitos autônomos. Não importa qual encarnação do jovem de nossa historinha você prefira, é a segunda que correspond­e à sua escolha pessoal —e ela só foi possível porque, em algum momento, o suposto direito dos pais de definir os conteúdos que entrarão na mente de seus filhos foi violado.

Se o Escola sem Partido fosse movido pela coerência e pela honestidad­e, deveria estar propondo uma PEC para abolir o ensino religioso no ensino fundamenta­l público. Afinal, a religião, como a ideologia, deve estar tão longe quanto possível dos bancos escolares.

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