Adeus de um libertário Bertolucci, diretor de ‘O Último Tango em Paris’, morre aos 77
Diretor italiano Bernardo Bertolucci morre aos 77 e deixa filmografia que vai do espetacular ao íntimo
Morreu nesta segunda (26), em Roma, o cineasta italiano Bernardo Bertolucci, um dos últimos remanescentes da geração de autores revelada na Europa nos anos 1960. Ele tinha 77 anos e sofria de um câncer, segundo informou sua assessora.
Nascido na cidade de Parma, Bertolucci construiu uma obra ancorada no espírito libertário da década em que iniciou sua carreira e deixou filmes carregados de sensualidade, uma boa dose de politização e, não raro, controvérsia.
Também foi um revelador de jovens talentos, incluindo Liv Tyler, Eva Green, Maria Schneider e Louis Garrel.
Ex-assistente de Pier Paolo Pasolini, estreou no voo solo em “A Morte” (1962), com roteiro escrito pelo antigo chefe.
Chama a atenção a partir de 1970 com “O Conformista”, adaptação do romance homônimo de Alberto Moravia sobre a normalização do fascismo. Protagonizado por Jean-Louis Trintignant, foi premiado em Berlim e indicado ao Oscar de roteiro adaptado.
A consagração viria com “O Último Tango em Paris” (1972), repleto de aura existencialista e cercado de polêmicas. Uma cena de sexo anal envolvendo os personagens interpretados por Marlon Brando e Maria Schneider levou a cortes ou à censura total do longa-metragem em vários países. Ela ficaria conhecida como a “cena da manteiga”.
Na Itália, onde “Tango” só pôde estrear três anos depois, todas as cópias foram confiscadas depois de uma semana do filme em cartaz. A produção só cumpriu carreira no circuito italiano a partir de 1987.
No Brasil, onde foi proibida pela censura da ditadura militar, o filme estreou em 1979.
A voltagem sexual em “Tango” fez com que ele alcançasse status simbólico nessa guerra cultural dos costumes, opondo liberais e conservadores.
Schneider dizia ter sido coagida a fazer a cena controversa, cujo nível de violência ela teria descoberto só na hora.
Em 2013, dois anos após a morte da atriz, que sofreu com o alcoolismo, Bertolucci negou que ela desconhecesse a violência. “Maria sabia tudo porque havia lido o roteiro.”
Mas contou que ele e Brando haviam combinado em segredo que o ator usaria um lubrificante incomum na cena. “Decidi não informar Maria apenas do uso da manteiga. Queríamos que ela tivesse uma reação espontânea ao uso impróprio”, afirmou.
Em 1976, depois do fuzuê de seu longa mais famoso, Bertolucci escalou um elenco internacional liderado por Robert De Niro e Gérard Depardieu na superprodução “1900”. O épico aborda luta de classes por meio da história de dois velhos amigos que se estranham.
O cineasta teve a confirmação de sua estatura global com “O Último Imperador” (1987), outro épico de grandes proporções. Vencedor de nove estatuetas no Oscar, inaugura sua fase hollywoodiana, que incluiria “O Céu que nos Protege” e “O Pequeno Buda”.
Volta à Itália com “Beleza Roubada” (1996), sobre a viagem existencial de uma jovem (Liv Tyler). E faz pazes com crítica e cinéfilos em “Os Sonhadores” (2003), que trata das ondulações lúbricas e intelectuais de um trio de jovens, com o Maio de 68 como fundo.
Debilitado, ele se despediria dos longas-metragens rodando o doce “Eu e Você” (2012), mais uma adaptação literária.
O diretor brasileiro André Ristum, que trabalhou como assistente de Bertolucci em “Beleza Roubada”, disse à Folha que o italiano escrevia um novo roteiro quando morreu, mas desconhece o teor dele.
“Adoraria saber o que o inquietaria nos dias de hoje”, afirmou Ristum, diretor do recém-lançado “A Voz do Silêncio”. “Os filmes dele são muito psicanalíticos. Vinham de um incômodo com questões relacionadas aos seres humanos.”
Bertolucci deixa a mulher, a também diretora Clare Peploe.