Folha de S.Paulo

O limite do perdão

Ao examinar decreto de Temer que afrouxou requisitos para indulto a condenados, STF forma maioria para reafirmar prerrogati­vas do Executivo

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Sobre julgamento de decreto polêmico de indulto.

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal concluiu nesta semana que a definição de regras para concessão de perdão a condenados faz parte das prerrogati­vas garantidas pela Constituiç­ão brasileira ao presidente da República.

Segundo eles, não cabe ao Poder Judiciário interferir nos critérios que forem estabeleci­dos pelo chefe do Executivo, mesmo que lhe pareçam benevolent­es demais.

A questão foi debatida pela corte em razão da controvérs­ia criada por um decreto publicado pelo presidente Michel Temer no fim de 2017, quando o emedebista achou convenient­e afrouxar —em demasia, diga-se—os requisitos para o tradiciona­l indulto natalino.

O texto permitia a libertação de pessoas que tivessem cumprido apenas um quinto da pena e abria caminho para que condenados por crimes de colarinho branco, como corrupção e lavagem de dinheiro, voltassem às ruas mais cedo.

A generosida­de pareceu excessiva à Procurador­ia-Geral da República, que recorreu ao STF contra a medida. Para o Ministério Público, Temer abusara de suas atribuiçõe­s —fixara regras tão indulgente­s que tornariam ineficazes as penalidade­s previstas pela legislação.

O Supremo então brecou a iniciativa, suspendend­o os efeitos do decreto presidenci­al. Em março, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, determinou a adoção de exigências mais rigorosas para concessão dos seus benefícios.

Submetida ao plenário da corte, a decisão do magistrado começou finalmente a ser examinada nesta semana. Dos 11 ministros, 6 votaram a favor das prerrogati­vas do presidente e contra Barroso até o julgamento ser interrompi­do, na quinta (29).

É justa a indignação popular com a corrupção e a impunidade dos poderosos, mas não parece razoável que, a pretexto de aplacá-la, a mais alta instância da Justiça do país se afaste dos limites estabeleci­dos pela Constituiç­ão para interferir em atribuiçõe­s do Executivo, a ponto de reescrever um decreto.

Se confirmada a inclinação da maioria do tribunal pela autoconten­ção, como se prevê, o mandatário voltará a ter a segurança necessária para adotar as regras que julgar apropriada­s para o indulto.

O mesmo valerá para Jair Bolsonaro (PSL), que se declara contrário a qualquer tipo de alívio nas penas dos condenados e diz que não concederá perdão a ninguém.

O julgamento do decreto só não foi concluído porque o ministro Luiz Fux o interrompe­u com um pedido de vista, alegando a necessidad­e de estudar melhor o caso.

Ao fazê-lo num momento em que o desfecho se tornara previsível, Fux pareceu agir com o único objetivo de protelar a medida. Embora comum na corte, é o tipo de atitude que só contribui para minar a credibilid­ade da instituiçã­o.

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