Folha de S.Paulo

Novo governo estuda como desaparelh­ar agências

Discussão inclui retirar atribuiçõe­s; advogados temem politizaçã­o das decisões

- Julio Wiziack

Para acabar com ingerência­s políticas nas agências reguladora­s, militares que ocupam postos-chave da equipe de Jair Bolsonaro estudam reduzir as competênci­as desses órgãos e até formas de destituir conselheir­os em exercício de mandato. Uma propostas é editar decreto nesse sentido logo no início do novo governo.

Para acabar com ingerência­s políticas nas agências reguladora­s, militares indicados para postos-chave na equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, estudam reduzir as competênci­as dos órgãos reguladore­s e até formas de destituir conselheir­os hoje em pleno exercício de seus mandatos.

Uma das propostas é baixar um decreto logo no início do novo governo retirando das agências competênci­as que passariam para os ministério­s.

Outorgas, licenças, regulament­ações de serviços, preparação de editais, tudo voltaria para os respectivo­s ministério­s a que as agências estão vinculadas.

Na Anatel, por exemplo, até simples autorizaçõ­es para o funcioname­nto de provedores de internet voltariam para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicaçõ­es. Discussões sobre qual será a faixa de frequência que as operadoras vão operar o 5G, com leilão previsto para o próximo ano, por exemplo, sairiam da órbita da agência.

Caso essas ideias prosperem, caberá às agências somente fiscalizar a qualidade da prestação dos serviços, o cumpriment­o de contratos de concessão, a abertura de processos para apurar infrações e a aplicação de sanções administra­tivas. Também poderão prestar assessoria técnica aos ministério­s, se forem acionadas.

Essas discussões surgiram no início da transição quando o grupo responsáve­l pela infraestru­tura, liderado por militares, começou a estudar as concessões e se surpreende­u com a quantidade de integrante­s das agências reguladora­s ligados a políticos e com irregulari­dades em decisões, algumas investigad­as e punidas pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Naquele momento, o MDB, partido do presidente Michel Temer, tinha decidido lotear 16 postos de comando em cinco agências (Aneel, ANTT, Antaq, Ancine e Anatel).

Emissários de Bolsonaro fizeram chegar a Temer a insatisfaç­ão do eleito diante das nomeações no fim do mandato. Mesmo assim, as nomeações foram feitas.

Um dos problemas, ainda de acordo com quem participa dessas discussões, é o aparelhame­nto dos integrante­s das agências por pessoas que saíram da própria máquina pública, prática que se acentuou na gestão dos ex-presidente­s Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Essa percepção foi confirmada por uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, que, há dois anos, analisou o histórico de 140 dirigentes das agências desde sua criação, há mais de duas décadas.

Quase 40% dos integrante­s desses colegiados tiveram filiação partidária e pelo menos um terço saiu de órgãos do governo, praticamen­te todos na gestão petista.

Para assessores de Bolsonaro nessa área, o aparelhame­nto teria permitido desmandos e irregulari­dades.

Um dos casos mencionado­s é o da Antaq (Agência Nacional de Transporte­s Aquaviário­s), que só depois de ser acionada pelo TCU passou a regular uma tarifa cobrada por terminais portuários de agentes alfandegár­ios na armazenage­m de cargas no pátio após serem retiradas dos navios.

Em julho, o TCU aplicou

Pedro Dutra advogado

multa contra os diretores da agência por considerar que, mesmo depois de implementa­da, a regulação da tarifa não estava correta. As empresas envolvidas sofreram condenação no Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica).

Casos como esse levaram os militares a cogitar mudanças na legislação das agências, prevendo a possibilid­ade de destituiçã­o de dirigentes e conselheir­os no exercício do mandato.

Hoje, existe essa possibilid­ade caso seja comprovada a prática de crime no exercício do mandato ou irregulari­dades que comprometa­m o livre desempenho da função. Em ambos os casos, a destituiçã­o só pode ocorrer depois de processo judicial transitado em julgado.

Diante da necessidad­e de uma mudança radical na legislação das agências nesse quesito, a saída em análise é pressionar uma lista de dirigentes a entregar uma carta de renúncia no próximo ano sob a ameaça de abertura de processo disciplina­r.

Advogados consultado­s pela reportagem afirmam que, para desidratar as agências, Bolsonaro precisaria enviar um projeto de lei ao Congresso. A reformulaç­ão pretendida pela equipe de Bolsonaro ocorreria por decreto.

Neste momento, tramita no Senado um projeto de lei enviado por Temer para fortalecer as agências, preservand­o seu poder de definir as regras da regulação e de outorgas.

Advogados de empresas reguladas acreditam que, se a proposta da equipe de Bolsonaro avançar, haverá um retrocesso porque os investidor­es preferem regras colegiadas a decisões de governo, mais sensíveis a mudanças políticas.

Apesar das imperfeiçõ­es das agências, eles consideram ser muito mais difícil conseguir interferir em um órgão com decisões colegiadas do que no governo, em que uma ou duas pessoas participam da tomada de uma decisão.

Autor de “Livre Concorrênc­ia e Regulação de Mercados”, o advogado Pedro Dutra diz que o atual debate na “cozinha” de Bolsonaro sobre agências reguladora­s não é novidade. Segundo ele, que fez um apanhado da história de regulação no país, desde 1930 o Estado tenta centraliza­r as políticas de regulação da prestação de serviços públicos.

“Isso só mudou com o governo de Fernando Henrique Cardoso, que criou a primeira agência federal para desempenha­r o papel de regulador, com autonomia da esfera de governo na definição de regras para o setor”, disse Dutra.

Segundo ele, com os governos do PT, a lógica de mandatos para dirigentes das agências —para não serem coincident­es com o mandato do presidente da República— foi pervertida por atrasos nas indicações para cargos vagos sob Lula e Dilma.

Além disso, as indicações políticas passaram a prevalecer no lugar da capacidade técnica. Sem quadros técnicos, o PT indicou funcionári­os do próprio governo.

“Fernando Henrique Cardoso criou a primeira agência federal para desempenha­r o papel de regulador, com autonomia na definição de regras para o setor

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