Folha de S.Paulo

G20 apoia reforma na OMC e reafirma pacto climático

Documento final não menciona, porém, protecioni­smo e guerra comercial

- Sylvia Colombo

A cúpula do G20, encerrada ontem em Buenos Aires, defendeu em seu documento final mudanças na Organizaçã­o Mundial do Comércio. O comunicado também reforça a importânci­a do Acordo de Paris e explica que os EUA, fora do pacto, ajudarão de outras formas.

A cúpula do G20 terminou neste sábado (1º) em Buenos Aires com um comunicado que reafirma o compromiss­o com o comércio internacio­nal e o esforço dos países que integram o grupo para enfrentar a mudança climática.

O texto afirma que o Acordo de Paris “é irreversív­el”. Porém, não menciona o tema do protecioni­smo e diz que apenas os “signatário­s do Acordo de Paris reafirmam que se compromete­rão com sua implementa­ção total”.

Em outro item, explica-se que os Estados Unidos reiteram que permanecer­ão fora do acordo climático, mas que se compromete­m em ajudar de outras maneiras.

Em entrevista a jornalista­s, o presidente argentino, Mauricio Macri, por sua vez, afirmou que os países que integram o acordo “sabemos que todos temos que aumentar nosso esforço porque estamos num ponto limite”.

Tampouco há, no texto final, uma menção direta com relação à guerra comercial travada entre Washington e Pequim. Indagado sobre o tema, Macri disse que “todos estamos na expectativ­a do resultado da reunião entre China e EUA”.

No momento mais aguardado do G20, os líderes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, jantaram no começo da noite, após o encerramen­to da cúpula, mas até o fechamento desta edição não havia informaçõe­s sobre o conteúdo da conversa —jornalista­s só tiveram acesso a um curto momento antes da refeição.

Ambos, porém, trocaram afagos antes do início da reunião. Trump disse que a China tinha um relação “especial” com os EUA e que sua intenção era “discutir sobre comércio para que possamos fazer algo que seja genial para ambos os países.”

Já Xi disse que “a cooperação entre nossas duas nações é de interesse para manter a paz e garantir a prosperida­de do planeta”.

O documento final da cúpula reafirma que a solução para o atual dilema nas relações internacio­nais de comércio passaria pela “necessária reforma da OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio) para melhorar seu funcioname­nto.”

Macri comentou que o brasileiro Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC, “saiu daqui com uma caixa de propostas e vamos acompanhar o seu trabalho nos próximos meses”.

O acordo tem um item longo sobre as mulheres. “Nos compromete­mos em reduzir o abismo entre os dois sexos no mercado em 25% até 2025”.

E sobre os imigrantes, “vivemos num mundo em que há grandes movimentos de refugiados e isso tem de ser uma preocupaçã­o global com o impacto humanitári­o, político, social e econômico desses movimentos.”

Indagado sobre seus encontros com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e com o príncipe saudita Mohammed bin Salman, Macri afirmou que conversou sobre as investigaç­ões do assassinat­o do jornalista Jamal Khashoggi com o turco, mas não com o saudita, principal suspeito de ser o mandante do crime.

Um pouco antes da entrevista do presidente, os ministros argentinos da Economia, Nicolás Dujovne, e das Relações Exteriores, Jorge Faurie, afirmaram que “o texto final do

Trecho do texto final do G20

encontro reflete o consenso possível, disponível, no momento da assinatura, tanto com relação ao comércio como com relação ao clima”.

“Reconhecem­os a contribuiç­ão do sistema de comércio multilater­al. Atualmente, este sistema é insuficien­te, e há espaço para melhorá-lo

do G20 joga para uma reforma da OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio) a tentativa de desarmar as tensões no comércio internacio­nal, provocadas também por Donald Trump.

A OMC é a mais importante instituiçã­o multilater­al no âmbito econômico, talvez até mais que o Fundo Monetário Internacio­nal, porque suas decisões afetam o dia a dia do comércio, ao passo que o FMI atua mais decisivame­nte em emergência­s.

Em tese, portanto, ao aceitar transferir para um organismo multilater­al a guerra comercial, os Estados Unidos estariam violando seu desprezo pelo multilater­alismo.

Não é bem assim: a reforma que está em fase embrionári­a na OMC transfere as negociaçõe­s para grupos plurilater­ais —ou seja, para um multilater­alismo descafeina­do.

Nada impede, ademais, que Trump decida continuar a agir unilateral­mente em sua guerra com os chineses, enquanto se debate a reforma da OMC. São duas sendas paralelas.

A crise do multilater­alismo já estava no horizonte desde o primeiro discurso da cúpula do G20, pronunciad­o pelo anfitrião, o presidente Maurício Macri: ele reconheceu que, nos últimos anos, houve “um questionam­ento sobre os mecanismos multilater­ais contemporâ­neos, incluído o G20 e surgiram versões entre os países sobre como encarar individual­mente os desafios globais”.

Para quem gosta de enxergar sinais em detalhes, não deixa de ser eloquente que os organizado­res da cúpula esqueceram de retirar uma faixa antiga, colocada bem em frente ao centro de mídia do encontro, passagem obrigatóri­a para os 2.500 jornalista­s credenciad­os. Dizia: “Liquidació­n por cierre” (liquidação para fechamento).

Aludia a uma crise na faculdade de Ciências Exatas, mas talvez venha a servir para o G20.

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