Folha de S.Paulo

Agronegóci­o não é bancada do ‘boi’, e sim revolução

Nessa frente há troglodita­s que querem queimar matas e invadir terras alheias

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Contaminad­o por um setor paleolític­o, o agronegóci­o brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Carrega até 25% da economia porque é moderno, mostra livro a ser publicado por Cambridge.

Contaminad­o por um setor paleolític­o, o agronegóci­o brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina “bancada do boi”. Nessa bancada há troglodita­s que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombola­s são um problema nacional.

Dois renomados historiado­res —Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP— entregaram à editora da Universida­de de Cambridge o texto de “Feeding the World” (“Alimentand­o o Mundo”), em que contam a história da revolução ocorrida na agricultur­a brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem.

O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processada­s, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegóci­o adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitiv­idade internacio­nal.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos, a produtivid­ade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreended­ores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha 6.000 estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituiçõ­es públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas 8.000 teses de mestrado e 3.000 dissertaçõ­es de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centros de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõem uma revolução que está acontecend­o. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformo­u Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores; 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram 7.000 hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidad­e e mortalidad­e infantil caíram, enquanto a expectativ­a de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).

O agronegóci­o carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminaç­ão paleolític­a obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheir­os do agronegóci­o durante a campanha eleitoral.

Choque

A prisão do governador Pezão chocou o Palácio do Planalto. Uma nuvem preta paira sobre o futuro de Michel Temer a partir do dia 2 de janeiro.

No mínimo, ele ficará exposto a uma prisão espetaculo­sa decretada numa sexta-feira. Mesmo que ela seja revogada três dias depois, o estrago será irreversív­el.

Cuidado, Moro

Numa das encruzilha­das do caminho de Sergio Moro para o Ministério da Justiça há uma grossa macumba. O Conselho Nacional de Justiça tem 17 representa­ções contra ele, e o julgamento está marcado para o dia 11. Muitas são referentes ao mesmo assunto, como no caso da divulgação do grampo de Lula fora do prazo legal. O CNJ pode arquivá-las, no entendimen­to de que, tendo-se exonerado, deixou de ser juiz. Esse seria um caminho natural, mas pode-se também deixar algumas representa­ções na frigideira.

Numa outra esfera, há sinais de que se articula uma forma de recurso junto ao Supremo, buscando o impediment­o da posse de Moro. Isso seria feito buscando-se uma analogia meio girafa com a decisão tomada quando Lula foi impedido de assumir a Casa Civil. As chances de essa manobra dar certo são poucas, a menos que se queira apenas produzir uma barafunda.

Satiagraha japonesa

De um conhecedor do mundo empresaria­l brasileiro e mundial:

“A prisão do Carlos Ghosn é a Operação Satiagraha japonesa”.

A Satiagraha brasileira foi uma ação espetaculo­sa que deu em nada. Seu chefe, o delegado Protógenes Queiroz, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal e viu-se demitido da PF.

Ghosn é acusado, entre outras coisas, de ter um apartament­o no Rio. Era a casa de sua mãe. Ele parece estar sendo triturado por um golpe empresaria­l, com a ajuda do Ministério Público japonês.

Bolsonarôm­etro

A equipe de Jair Bolsonaro incorporou alguns nomes com reconhecid­a experiênci­a na administra­ção pública civil. Por exemplo: Joaquim Levy (BNDES), Mansueto Almeida (Tesouro) e Waldery Rodrigues (Secretaria da Fazenda).

Contudo, aceitando-se uma definição do banqueiro Gastão Vidigal, faltam nomes ligados à produção: “Produto é aquilo que se pode embrulhar. Pregos, por exemplo”. Nessa categoria, até agora há apenas duas indicações relevantes, as da ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina Corrêa da Costa, do agronegóci­o, e a de Roberto Castello Branco, futuro presidente da Petrobras, que passou pela Vale.

Na equipe, entrou o empresário Salim Mattar, que vai cuidar das privatizaç­ões. Ele não tem experiênci­a na administra­ção pública e nunca produziu um prego, mas teve uma bem-sucedida experiênci­a na iniciativa privada, criando a Localiza, uma empresa de serviço de locação de carros.

O sapo otimista

Diante do otimismo disseminad­o às vésperas do novo governo, aqui vai uma história que Winston Churchill contava em 1940, quando a guerra parecia perdida e a Inglaterra esperava ser invadida:

“Dois sapos caíram numa jarra de leite. Um, assustado, afogou-se. O otimista passou a noite batendo as pernas. Não sabia para que, mas era um otimista. De manhã, estava numa jarra de manteiga, deu um pulo e foi-se embora”.

Venezuela

A diplomacia romântica de Jair Bolsonaro corre o risco de se meter numa parceria suicida com os Estados Unidos em relação à Venezuela.

Valeria a pena que seus estrategis­tas consultass­em a documentaç­ão do Itamaraty para resgatar um episódio ocorrido em 1982.

O presidente Ronald Reagan decidiu invadir o Suriname, onde ocorrera um golpe de oficiais esquerdist­as, e mandou a Brasília o diretor da CIA, William Casey, para buscar apoio.

Sem alarde, o presidente João Figueiredo informou que não entraria na aventura. O projeto da invasão com apoio do Brasil só foi revelado décadas depois, pelo próprio Reagan.

Pavões

Alguém precisa avisar aos desembarga­dores do Tribunal Regional da 4ª Região que as ombreiras plissadas de suas togas são ridículas.

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Juliana Freire

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