Folha de S.Paulo

Cabide estatal

Deputados criam brecha para indicações políticas nas empresas do Estado, que têm avançado na profission­alização; Senado deve barrar manobra

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Sobre indicações políticas em empresas públicas.

A aprovação da chamada Lei de Responsabi­lidade das Estatais, em 2016, resultou em boa parte da indignação com os desmandos de inépcia e corrupção nas empresas públicas, revelados em proporções escandalos­as pela Lava Jato.

O diploma definiu normas de governança e publicidad­e dos atos e resultados das companhias. Buscou restringir o comando a profission­ais com experiênci­a executiva, limitar a interferên­cia política na gestão e barrar o nepotismo.

Proibiu-se que parlamenta­res e integrante­s do primeiro escalão da administra­ção direta, além de seus familiares, ocupem cargos nas estatais. Estão vedadas ainda indicações de titulares de cargos comissiona­dos sem vínculo permanente com o setor público, dirigentes partidário­s ou sindicais e seus parentes de até terceiro grau.

Passados pouco mais de dois anos de vigência da legislação, porém, uma Câmara dos Deputados em fim de legislatur­a manobrou nos últimos dias para abrir uma brecha nesse muro de proteção do patrimônio público.

Numa votação de projeto que trata de agências reguladora­s, contraband­eou-se para o texto dispositiv­o que permite nomear para diretoria ou para Conselho de Administra­ção de estatal pessoas que tenham, nos últimos 36 meses, dirigido partido ou campanha eleitoral, bem como parentes de políticos.

Trata-se de uma intervençã­o sob medida para socorrer recém-derrotados nas urnas, seus apadrinhad­os e nepotistas em geral.

Os adeptos da política como negócio familiar, oligárquic­o e, por vezes, quase dinástico imaginaram que, ao alterar apenas um parágrafo e um inciso da lei, passariam despercebi­dos.

O projeto nem mesmo chegou ao plenário da Câmara —foi aprovado em caráter conclusivo numa comissão especial e será agora apreciado no Senado. Esta Casa, em 2016, conseguiu derrubar as liberalida­des inseridas pelos deputados no regulament­o das estatais.

Não foram desprezíve­is os ajustes promovidos nas empresas federais nos últimos dois anos. Graças a vendas, incorporaç­ões e liquidaçõe­s, o número de companhias caiu de 154 para 138; o lucro total saltou de R$ 4,6 bilhões para R$ 25 bilhões em 2017; o quadro de pessoal foi reduzido em 30 mil funcionári­os, para 505 mil.

Seria grande retrocesso, pois, fragilizar o processo de profission­alização desse aparato. Espera-se que os senadores, mais uma vez, refreiem a ânsia por cabides de emprego de seus colegas de Legislativ­o.

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