Folha de S.Paulo

O Supremo no espelho

- Bruno Boghossian

Um espectador desavisado poderia confundir as últimas sessões do STF com um ato de contrição. Lembrando o princípio da separação de Poderes, a maioria dos ministros sustentou que juízes não podem interferir nas competênci­as de outras autoridade­s.

O argumento deve embasar a liberação do decreto de indulto natalino de Michel Temer. Não se deve esperar do tribunal, porém, uma revisão dos limites de sua atuação. O Supremo deixa intocada uma coleção de momentos em que se intrometeu no Executivo e no Legislativ­o.

Edson Fachin reconheceu a ironia. Ele ponderou que, se o STF não tem poderes para cassar o decreto, também não deveria anular a nomeação de ministros por um presidente.

A corte não teve esse espírito em episódios recentes. Em 2016, Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil. Embora Dilma Rousseff tivesse autonomia para escolher sua equipe, o magistrado considerou o ato uma “falsidade” para proteger Lula.

No início deste ano, Cármen Lúcia deu aval à decisão de um juiz de primeira instância que proibiu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Uma decisão capenga dizia que ela não poderia assumir o cargo porque havia sido condenada em um processo trabalhist­a.

Os braços togados também alcançaram decisões econômicas. Ricardo Lewandowsk­i chegou a travar a privatizaç­ão de uma distribuid­ora de energia quebrada em Alagoas e proibiu o governo de adiar o aumento de salário de servidores.

Em 2017, na intromissã­o mais esdrúxula dessa classe, Luiz Fux cancelou a votação na Câmara do pacote anticorrup­ção. O ministro afirmava que o projeto de iniciativa popular não poderia ter sido alterado — ou seja, que os deputados não podem legislar como bem entenderem.

Nos próximos anos, o Supremo certamente será chamado para administra­r tensões com o governo Jair Bolsonaro. O tribunal precisará se olhar no espelho para definir as fronteiras de sua atividade política.

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