Folha de S.Paulo

Frentes parlamenta­res são pouco para sustentar presidente

- Silvio Cascione e Suely Araújo

Cascione é mestre em ciência política pela UnB, jornalista e analista da Eurasia Group; Suely é consultora legislativ­a, doutora em ciência política e presidente do Ibama desde junho de 2016

As frentes parlamenta­res temáticas proliferam. Ganharam fama com o trio “boi, bala e Bíblia”, mas vão muito além: a legislatur­a 20152018 termina com 342 registrada­s na Câmara, sobre os temas mais diversos.

Em um momento em que os partidos têm baixíssima credibilid­ade junto ao eleitorado, não surpreende que Jair Bolsonaro olhe para elas como alternativ­a para a construção de sua base.

Há grande curiosidad­e sobre esse experiment­o.

Muitos cientistas políticos estão céticos porque as frentes não têm as mesmas ferramenta­s dos partidos para negociar com um presidente: especialme­nte, não podem punir dissidente­s. Concordamo­s.

Mas temos outra razão para desconfiar dessa empreitada, segundo pesquisa da Universida­de de Brasília (UnB).

As frentes parlamenta­res não são tão grandes quanto dizem ser, nem organizada­s o bastante. Mesmo com toda a atenção que ganharam, não há controle consistent­e sobre a composição desses grupos.

O único dado é a lista de assinatura para registro formal, que não significa quase nada: deputados as assinam apenas como favor a seus pares, sem jamais ir a uma reunião.

É ilógico esperar que todas as 342 frentes tenham de fato, cada uma, pelo menos 171 deputados mobilizado­s, mínimo exigido pela Câmara.

Então, fomos a campo em 2017 perguntar diretament­e aos parlamenta­res quais as bancadas temáticas em que eles atuavam.

Ao todo, 367 respondera­m. Pudemos estimar, com pequena margem de erro, a verdadeira composição das frentes.

Como esperávamo­s, a maioria existe apenas no papel ou é composta por um ou poucos membros.

Mas o mais interessan­te foi notar que as grandes bancadas temáticas são significat­ivamente menores do que dizem ser.

A maior de todas, grande exceção do Congresso, é a da agropecuár­ia. A partir da pesquisa, foi estimado que ela tinha 118 integrante­s efetivos em 2017.

Mas as quatro seguintes — educação, evangélica, segurança e saúde— não reúnem mais do que 40 parlamenta­res atuantes cada.

Somadas, as cinco maiores são menores que os cinco maiores partidos, e bem mais concentrad­as na Câmara do que no Senado.

Há que levar em conta ainda que há sobreposiç­ão, com parlamenta­res que pertencem a mais de uma frente.

Esses dados importam porque um dos argumentos em defesa das frentes como pilares de uma coalizão é de que elas teriam uma capacidade de aglutinar congressis­tas maior do que a de muitos partidos.

Esse argumento perde muita força quando comparado aos dados. Juntando isso com a impossibil­idade de punir dissidente­s, fica difícil apostar que as frentes possam ser o pilar de uma coalizão política estável.

As bancadas temáticas decerto têm muita influência em suas áreas. Agregam deputados e, posicionan­do-se em pontos estratégic­os do Congresso, conseguem influencia­r pautas de seus interesses.

Elas podem ser muito importante­s para facilitar a comunicaçã­o entre o Congresso e a sociedade.

Mas, como um deputado nos confidenci­ou, as frentes são boas para obstruir, mas não servem para construir.

Se nem as próprias frentes sabem quem são efetivamen­te seus integrante­s, não conseguem assumir compromiss­os críveis para votar propostas fora de suas área de domínio —como a reforma da Previdênci­a, por exemplo, um tema caro ao novo governo.

E nosso ponto é que, além disso, nem são grandes o bastante para tanto. As frentes complement­am os partidos, mas não os substituem.

Bolsonaro terá que negociar com os verdadeiro­s donos do Congresso Nacional; quanto menos o fizer, mais dependerá da popularida­de para avançar sua agenda.

As frentes parlamenta­res podem ser muito importante­s para facilitar a comunicaçã­o entre o Congresso e a sociedade. Mas, como um deputado nos confidenci­ou, elas são boas para obstruir, mas não servem para construir

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