Folha de S.Paulo

Organizaçã­o oferece ringue plurilater­al para chineses e americanos

- Clóvis Rossi

A tese de reformar a OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio), que acabou sendo o amortecedo­r encontrado pelo G20 para acomodar a guerra comercial entre Estados Unidos e China, foi aceita pelas duas partes com base em uma lógica simples: nenhum dos dois seria capaz de quebrar a espinha do outro na queda de braço bilateral.

Logo, seria preciso colocar mais parceiros no processo, a partir da ideia de Roberto Azevêdo, o brasileiro que é o diretor-geral da OMC, de que a instituiçã­o que comanda seria o único caminho viável para uma negociação entre eles.

Mas não seria a OMC no seu formato atual, em que os 164 países-membros têm idêntico direito a voz e voto e qualquer acordo só pode ser fechado se todos aceitarem. É óbvio que esse igualitari­smo não é absoluto: as posições das grandes economias pesam mais que as das demais.

Mas já houve momentos em que países menos relevantes, como Cuba ou Venezuela, embaçaram declaraçõe­s finais de conferênci­as ministeria­is, a instância suprema da organizaçã­o.

Para evitar esse processo arrastado e muitas vezes ineficient­e, a reforma que a OMC está sendo convocada a fazer passa justamente por negociar regras que tornem mais fácil e mais rápida a tomada de decisões.

Ou, concretame­nte, transforma­r em plurilater­al um sistema que é multilater­al por definição. No caso específico da disputa entre China e Estados Unidos, juntarse-ia ao debate um grupo de países relativame­nte pequeno, para evitar que haja a colisão frontal entre os gigantes em discórdia.

Os Estados Unidos a princípio reagiram negativame­nte. Mas, aos poucos, foram sendo convencido­s, até porque outros países têm queixas sobre o comportame­nto da China que estavam sufocadas até a eclosão da guerra com Donald Trump.

Haveria, portanto, ao menos em tese, espaço para que os americanos encontrass­em aliados nessa negociação plurilater­al.

Os Estados Unidos querem modificar o comportame­nto da China em ao menos três pontos: respeito à propriedad­e intelectua­l, que Washington acha que Pequim não tem; os pesados subsídios às empresas chinesas, que distorcem o comércio; e a transferên­cia forçada de tecnologia —empresa que quer se instalar na China é obriga a ceder tecnologia à sua parceira chinesa que, com o tempo, se apropria dela.

Os chineses tampouco eram muito favoráveis à reforma da Organizaçã­o Mundial do Comércio, mas foram convencido­s a partir do argumento de que, se não negociasse­m nesse âmbito plurilater­al, seriam alvo permanente das pressões americanas. No caso, a imposição de tarifas extras que prejudicam as exportaçõe­s de Pequim.

A China também tem suas queixas sobre os americanos (e sobre outros países ricos). Reclamam dos subsídios agrícolas, o que o Brasil também faz constantem­ente (e inutilment­e até agora).

Reclamam do que consideram exagero da imposição de medidas antidumpin­g (o dumping é a venda de produtos a preços artificial­mente baixos, para ocupar mercados) e querem a preservaçã­o do que consideram princípios básicos da OMC.

Entre eles, a não discrimina­ção de qualquer país, o que lhes permitiria continuar exportando abundantem­ente.

O documento final do G20 de Buenos Aires é apenas o pontapé inicial de um processo que vai ser necessaria­mente complexo e ainda pode ser atrapalhad­o por algum comentário espalhafat­oso de Trump.

Desde já, avisa Roberto Azevêdo: “O processo para canalizar esse debate precisa ser muito bem delineado porque, muitas vezes, o processo é que define o fracasso ou o êxito de uma iniciativa”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil