Tecendo relações, Paulo Marinho foi de playboy a amigo do presidente
Ex-companheiro da atriz Maitê Proença e parceiro de empresários polêmicos amplia trânsito na política
Maitê Proença, atriz; Moreira Franco, ministro do governo Michel Temer; Roberto Kalil, médico; Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro; Sérgio Bermudes, advogado.
E não para por aí. Tem também João Doria, governador eleito de São Paulo; Ricardo Boechat e Roberto D’Ávila, jornalistas; José Dirceu, ex-ministro do governo Lula; Roberto Medina, criador do Rock in Rio; Jair Bolsonaro, presidente eleito da República.
O que essas figuras —de ramos tão diferentes quanto entretenimento, direito, mídia, medicina e política— têm em comum é o fato de serem ou terem sido próximas do empresário Paulo Marinho.
Mestre na arte de fazer amigos, ele é descrito como simpático, bom de conversa, envolvente.
Avesso a aparições públicas nas últimas décadas, o empresário voltou a ganhar os holofotes depois que sua casa no Jardim Botânico, bairro nobre do Rio de Janeiro, se transformou no principal quartel-general de Bolsonaro.
Marinho se envolveu diretamente na campanha do agora presidente eleito e montou em sua residência um estúdio para a gravação da propaganda eleitoral. Os jornalistas se acotovelavam no seu portão, porque era um dos poucos lugares aonde o candidato ia regularmente.
Depois da vitória, a casa abrigou ainda a primeira reunião da equipe de transição, e André Marinho, filho do executivo, atuou como tradutor no telefonema entre Bolsonaro e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Bolsonaro e Marinho são, portanto, próximos, mas não podiam ter backgrounds mais diferentes. Bolsonaro vem de uma família de classe média baixa e tem valores conservadores; o executivo frequenta a alta sociedade carioca e, na juventude, gostava de badalação e belas mulheres.
Nascido no Rio de Janeiro, em 1952, Marinho começou a trabalhar aos 14 anos como uma espécie de ajudante de ordens de Ronaldo Xavier de Lima, dono da Excelsior Seguros, marido da ex-miss Brasil Martha Rocha e um dos maiores playboys da cidade.
Pouco tempo depois, o jovem passou a atuar em corretoras no incipiente mercado financeiro do Rio e a ganhar dinheiro. Tinha 21 anos quando conheceu a estonteante atriz francesa Odile Rubirosa. Aproximou-se do mundo do entretenimento e da mídia e tornou-se amigo de jornalistas renomados como Zózimo do Amaral, Roberto D’Ávila e Ricardo Boechat.
Já separado de Odile, se enamoraria de Maitê Proença, com quem teve uma filha, Maria. Liberal, não se importou que a atriz posasse nua para a Playboy. A fim de que Maitê mantivesse a pensão que recebia do pai, ex-militar, os dois não chegaram a se casar.
O envolvimento mais intenso com a política começaria na década de 1980. Convidado por Boechat, ajudou na vitoriosa campanha de Moreira Franco ao governo do Rio, em 1986. O jornalista se tornaria secretário de Comunicação estadual, mas Marinho preferiu não ir para o governo.
O executivo começou ali um padrão que se repetiria por toda a vida. Nunca ocupou um cargo público e sempre preferiu o setor privado, utilizando seus contatos na política para fazer negócios.
Sua amizade com Moreira Franco, por exemplo, o ajudaria em sua nova empreitada ainda no fim da década de 1980: o Rock in Rio. O festival ocorrera pela primeira vez em 1985, mas sofreu ferrenha oposição do então governador, Leonel Brizola (PDT).
Com Moreira Franco no poder, o publicitário Roberto Medina, idealizador do evento, recorreu a Marinho para conseguir apoio político. Ainda assim, por pouco, o Rock in Rio quase não saiu. Uma liminar chegou a cancelar o festival, sob o argumento de que o Maracanã não estava preparado para receber tantas pessoas.
A decisão foi derrubada, mas Marinho e Medina foram obrigados a reforçar toda a arquibancada do estádio, o que elevou os custos. O evento aconteceu em 1990. Foi enorme sucesso, mas gerou pesados prejuízos para os dois.
Em meio a esse embate jurídico, Marinho passou a ir com frequência ao escritório do advogado Sérgio Bermudes, contratado para cuidar do Rock in Rio. Lá foi apresentado ao jovem Gustavo Bebianno, que era estagiário.
Marinho e Bermudes ficaram amigos. O empresário se casou com sua terceira mulher, Adriana, em uma cerimônia na casa do advogado, celebrada por um juiz amigo dele: Luiz Fux, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal.
Também foi Bermudes que apresentou Marinho a um dos seus maiores parceiros de negócios, com quem trabalharia por 17 anos, e é um dos poucos inimigos desse bon vivant: o empresário Nelson Tanure.
O baiano Tanure, especialista em comprar empresas quebradas, assumir seus litígios na Justiça e ganhar dinheiro com isso, contratou Marinho para ser diretor de sua nova investida, o estaleiro Velmore.
Sediado em Angra dos Reis, o Velmore foi comprado em concordata, mas, ainda assim, chegou a empregar quase 4.000 pessoas depois de conseguir contratos bilionários com a Petrobras para a construção de plataformas de petróleo.
Para vencer licitações, o estaleiro baixava os preços e ficava na expectativa de obter aditivos que compensassem os custos e gerassem lucros. Deu confusão. A Petrobras passou a cobrar o Velrome por plataformas fora da especificação, enquanto o estaleiro acusava a estatal de mudar o projeto sem elevar os preços.
A disputa foi para a Justiça e começou a se arrastar. Marinho decidiu sair do estaleiro e acertou com Tanure, como parte de seu pacote de desligamento, um percentual no contrato com a Petrobras. Logo em seguida, foi trabalhar para outra figura bastante polêmica —o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.
Dantas queria que Marinho utilizasse seus contatos para ajudá-lo a entrar no capital da antiga Telemar, operadora de telefonia do Rio. O negócio foi bem-sucedido, mas Marinho e Dantas se desentenderam. Até hoje não se gostam.
Nesse período, a revista Veja revelou um diálogo entre Marinho e Boechat. Na conversa, o repórter de O Globo lia para o amigo e fonte uma reportagem que escrevia sobre a briga de Dantas com os demais sócios. O escândalo provocou a demissão do jornalista.
Marinho então voltaria a trabalhar para Tanure, dessa vez no Jornal do Brasil, outra empresa em dificuldades que havia sido adquirida. Lá reencontraria Bebianno, que atuava como diretor jurídico.
No JB, Marinho foi contratado como vice-presidente de assuntos governamentais. Sua função o obrigou a se mudar para Brasília, onde viveu de 2003 a 2006, no primeiro mandato do presidente Lula.
A capital federal ampliou horizontes na política. Até ali, era bem relacionado com nomes cariocas. Conversava com frequência com o então prefeito, Eduardo Paes, e com o governador Sérgio Cabral, hoje preso por corrupção.
Em Brasília, costumava dar jantares memoráveis em sua suntuosa casa no Lago Sul e quase sempre era agraciado com a presença dos três “Zés”: José Sarney (MDB), presidente do Senado, José de Alencar (PL), vice-presidente da República, e José Dirceu (PT), ministro da Casa Civil.
Ele conheceu Dirceu em um evento do JB para o qual o convidou como palestrante. Os laços entre os dois acabaram se tornando tão estreitos que, quando o petista caiu em desgraça no mensalão, Marinho tratou de ajudá-lo.
Conversou com deputados para tentar impedir a cassação do mandato de Dirceu na Câmara, o que acabaria ocorrendo, e chegou até a contratá-lo como colunista do JB. Dizem pessoas próximas que o real motivo era ajudar Dirceu, que enfrentava uma situação financeira delicada.
Além de cuidar de interesses do jornal, Marinho usava contatos no Superior Tribunal de Justiça para ajudar Tanure na disputa com a Petrobras.
O empresário acabaria vencendo o processo, obtendo quase R$ 200 milhões de indenização, pagos por seguradoras contratadas pela estatal.
Marinho acreditava ter direito a uma parte do dinheiro, por causa do acerto feito quando saiu do estaleiro. Tanure discordava. Os dois romperam e se enfrentam há anos nos tribunais no Brasil e nos Estados Unidos. Já foram condenados em várias instâncias a pagar milhões um ao outro. Estariam perto de um acordo.
Desde esse período, não tem patrimônio em seu nome, para evitar bloqueio judicial. Doou tudo para a mulher, com quem é casado com separação de bens. Sua declaração de Imposto de Renda revela posses de pouco mais de R$ 700 mil, o que é incompatível com seu estilo de vida.
Marinho voltou para o Rio e passou a trabalhar como consultor. Anos depois, com a eleição de 2018 se avizinhando, decidiu apoiar o tucano João Doria para a Presidência da República. Doria acabara de ser eleito prefeito de São Paulo em primeiro turno.
Organizou para o amigo paulistano dois jantares, com cerca de 200 pessoas cada um, a fim de apresentá-lo à elite do empresariado carioca. Um dos eventos ocorreu no refinado Country Club do Rio; o outro, em sua própria casa.
Doria não decolou no PSDB. Marinho ficou sem candidato até receber um telefonema de Bebianno, que tinha se tornado faz-tudo de Bolsonaro.
No fim de 2017, Bebianno levou o deputado a um jantar na casa de Marinho. A empatia teria sido imediata. Estava presente o filho André, que se tornaria exímio imitador de Bolsonaro. Desde então, Marinho só se refere ao presidente eleito como “o capitão”.
Quando Bolsonaro sofreu a facada em Juiz de Fora (MG), foi Marinho que mobilizou o Hospital Sírio-Libanês, por intermédio do cardiologista Roberto Kalil, para atendê-lo. O político, porém, acabou no rival Albert Einstein.
Marinho também foi convidado por Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente eleito, para ser seu suplente no Senado. Caso Flávio se candidate a prefeito do Rio em 2020 —o que ainda depende de uma interpretação da lei eleitoral —, seria o primeiro cargo público da vida de Marinho. Interlocutores que o conhecem dizem que não almeja o Senado. Prefere fazer o que sempre fez: cultivar amigos e pontes entre a iniciativa privada e os políticos.