Folha de S.Paulo

A nova roupa do governo militar

Oficiais ocupam um terço do ministério e querem coordenar ações de governo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O general Hamilton Mourão é chamado de “primeiro-ministro” por um de seus camaradas. O colega de generalato e bolsonaris­mo faz a piada, ri e logo diz ao jornalista: “Não vai escrever uma coisa dessas, hein?”.

No entanto, minutos depois, esse general também da reserva explica que o vice-presidente eleito é capacitado para a supervisão “estratégic­a” de planos e metas de governo. Que Mourão deveria ter mesmo tal função no governo de Jair Bolsonaro. Que não se encaixa no papel de conselheir­o do presidente, pois muito voluntario­so, mas por isso mesmo seria um excelente executivo-chefe.

Um CEO? Não, apenas um coordenado­r-geral, responde o general. O governo seria ainda mais militar.

Ainda que alguns tenham faz tempo caído na vida civil, capitães, um tenente-coronel, um almirante e generais devem ficar com um terço dos ministério­s. Além do mais, militares de Bolsonaro acham que é preciso ainda diminuir os “poderes de governar” do Tribunal de Contas da União e de agências reguladora­s.

O vice-presidente eleito praticamen­te chegou a anunciar que seria uma espécie de chefe de gabinete, um “centro de governo”, entre outros papéis que se atribuiu, em palavras e na prática.

Mourão conversa com empresário­s. Faz teleconfer­ência com financista­s estrangeir­os. Faz inspeção na Petrobras. Desde o começo da campanha, divulgava e apoiava uma versão genérica, mas completa, do programa de Paulo Guedes para a economia. Fez a propaganda da privatizaç­ão entre os militares mais desconfiad­os. Conversa com gente do governo de Michel Temer sobre comunicaçã­o e publicidad­e oficiais.

Como se não bastasse, Mourão dá entrevista­s aparando extravagân­cias de política externa do governo de transição, os disparates jecas dos aiatolás do ministério e as jeremiadas de Bolsonaro sobre invasões estrangeir­as, a chinesa em particular.

A conversa sobre a gerênciage­ral de Mourão arrefeceu faz uns 15 dias, diz parte do entorno bolsonaris­ta, porque estava criando atrito demais e precoce. Antes, seria preciso completar o ministério e operar a lipoaspira­ção delicada dos poderes da Casa Civil, que será chefiada por Onyx Lorenzoni.

A cirurgia foi feita. O general Santos Cruz ocupou a Secretaria de Governo, com tarefas de negociação política ainda não muito claras, mas que limitam ainda mais a área de serviço de Lorenzoni.

O general deve ser uma espécie de auditor de barganhas com o Congresso (emendas, por exemplo) e fazer parte do trabalho de “relações institucio­nais” (governador­es, prefeitos, organizaçõ­es da sociedade civil). Ainda levou o Programa de Parceria de Investimen­tos (PPI), a supervisão de negócios com a iniciativa privada, que estava na Secretaria­Geral da Presidênci­a, de Gustavo Bebianno.

Santos Cruz é outro vigia avançado no Planalto, pois. Os militares, de resto, ficaram com todos os cargos de comando na infraestru­tura. Perderam, a princípio, apenas as obras de recursos hídricos, que devem ficar no gordo e rico Ministério do Desenvolvi­mento Regional.

Se Mourão vier a ser um premiê-executivo informal, os militares poderiam em tese conquistar até uma cabeça de praia no continente de Guedes, no überminist­ério da Economia. Mas não querem bulir com Guedes ou com Sergio Moro, futuro ministro da Justiça.

Um general diz que se trata de “áreas muito bem resolvidas”. São também áreas de risco, aquelas de que depende imediata e imensament­e o sucesso popular de Bolsonaro.

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