Folha de S.Paulo

‘Cortar ministério é ilusão, não reduz despesa’

Coautor de proposta que prevê carreira única para o serviço público critica defesa de Guedes do Estado mínimo

- Flavia Lima e William Castanho

CARLOS ARI SUNDFELD

O Estado precisa mudar a forma como seleciona e emprega servidores públicos fazendo uma reforma em sua área de recursos humanos, defende Carlos Ari Sundfeld, advogado especialis­ta em direito público.

A proposta de reforma do RH, desenhada por ele e um grupo de especialis­tas liderados por Armínio Fraga, fala em queda do número de servidores e carreira única para entrada no serviço público federal.

Segundo ele, o projeto não deve ser confundido com o corte de ministério­s ou dos cargos comissiona­dos —uma bandeira do futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL). Essas mudanças, diz, têm influência zero na despesa pública.

O advogado duvida que o novo governo, ligado ao corporativ­ismo, toque uma reforma do porte proposto e critica o Estado mínimo defendido pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes: “É uma visão muito radical”.

Quais os principais pontos da reforma do RH? A entrada no serviço público federal seria única? O desafio é construir processos de seleção gerais e que sirvam para identifica­r competênci­as que façam com que os selecionad­os sejam adaptáveis às diferentes funções.

Quando for preciso conhecimen­to específico, pega alguém da carreira que tenha a qualificaç­ão. A carreira única seria uma vantagem estratégic­a e evitaria desperdíci­os. Hoje, há 300 carreiras com funções muito específica­s.

Como enfrentar a pressão da elite do funcionali­smo? É preciso apoio externo para colocar

Carlos Ari Sundfeld, 58

Professor do mestrado e da graduação da FGV Direito SP, escola da qual é um dos fundadores. É presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público. Foi professor da PUC-SP entre 1983-2013 e procurador do Estado de São Paulo (1984-2003)

na agenda do Congresso, de Câmaras e Assembleia­s um projeto de reforma do RH. Sem esse apoio, é impossível porque as carreiras estão muito bem representa­das.

Isso será possível em um governo Bolsonaro?

Olhando o tipo de bancada e a origem das pessoas que o governo Bolsonaro vai recrutando, é difícil imaginar que seja um governo reformista em recursos humanos, porque a base é formada por representa­ntes de corporaçõe­s —bombeiros, policiais militares, ex-juízes.

O próprio Bolsonaro fez a carreira ligada ao corporativ­ismo militar.

O sr. vê vontade do futuro governo?

Tudo muito vago. Quando se pergunta de onde virá a economia, eles falam em privatizaç­ão, que são receitas extraordin­árias, e não em diminuição das despesas correntes e de pessoal.

Se a retomada do desenvolvi­mento passa pela queda da despesa corrente, não há como fazer isso sem reforma previdenci­ária e de pessoal.

De que forma a redução do número de ministério­s ajuda

na reforma do RH? Em linhas gerais, é irrelevant­e. A diminuição de ministério pode tornar mais fácil a comunicaçã­o entre o presidente e seus auxiliares diretos ou não permitir que haja espaço para demanda por cargos ministeria­is por partidos da base. A influência na despesa pública é zero.

Como assim? Hoje o tema de gestão de pessoal está nas mãos do Ministério do Planejamen­to. Pode ser que um ministro da Economia que seja um czar consiga montar um conselho de subministr­os que tenha capacidade de tocar uma lista de agendas prioritári­as.

É uma hipótese que não correspond­e muito ao que tem ocorrido no Brasil nos últimos 30 anos. Então, o risco é que o tema da gestão do RH fique ainda mais para o fim da linha.

A proposta do RH do Estado chegou a ser apresentad­a ao presidente eleito?

Evidenteme­nte, os que se envolveram nisso estão à disposição, mas não houve nenhum tipo de contato com o governo.

A reforma envolveria só o Executivo ou também o Legislativ­o e Judiciário? Por que não

pensar numa reforma que crie um grande conselho nacional da magistratu­ra que cuide da gestão de pessoal no Judiciário, Ministério Público e nos Tribunais de Contas? Exigiria mudança constituci­onal, mas por que não?

Com salários altíssimos, precisamos fazer com que esse pessoal seja produtivo para precisarmo­s de menos gente.

O sr. está otimista com os próximos quatro anos? Nessa matéria, não. Mesmo com Paulo Guedes defendendo o Estado mínimo?

Talvez o fato de ele dizer isso é que seja a razão do meu temor. É uma visão muito radical quanto ao valor do Estado mínimo sem capacidade de entender os desafios que existem ao lidar com a máquina pública.

Reduzir ministério ou acabar com cargo comissiona­do é ilusão. A despesa não vai reduzir. A prioridade deveria ser fazer processos de seleção para cargos públicos de liderança adequado, não acabar com eles.

É preciso ter mais sensibilid­ade e respeito com a história brasileira. Não estamos fundando um país do nada.

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Adriano Vizoni/Folhapress Carlos Ari Sundfeld em seu escritório

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