Folha de S.Paulo

O Banco Central acertou

Ilan manteve o sangue-frio ao não seguir o mercado, e a Selic ficou parada em 6,5%

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

No início do ano, houve forte surpresa desinflaci­onária. O Relatório de Inflação de dezembro de 2017 indicava que o IPCA (o índice oficial da meta) do primeiro trimestre de 2018 seria de 1,4%, e o indicador acabou sendo de 0,7%. Tudo sugeria que a inflação fecharia o ano em 3%.

No entanto, três choques alteraram essa situação muito confortáve­l dos preços: forte desvaloriz­ação do câmbio, de R$ 3,2 para o patamar de R$ 4,2, atingido em meados de setembro; forte elevação do preço do petróleo, de US$ 55 em dezembro de 2017 até US$ 75 em outubro; e o movimento dos caminhonei­ros em maio.

Esses choques pressionar­am muito a inflação de preços administra­dos.

O mercado financeiro começou a considerar a possibilid­ade de que o Banco Central iniciasse um ciclo de elevação das taxas de juros para combater a desvaloriz­ação do câmbio ainda neste ano.

Em meados de junho, o mercado indicava que o Banco Central iniciaria ainda em 2018 um ciclo de alta da taxa básica de juros, a taxa Selic, com cinco altas de 0,5 ponto percentual cada uma, fechando o ano em 9%.

Previa-se toda essa subida não obstante a forte surpresa contracion­ista na atividade —no início do ano, achávamos que a economia iria crescer 3%, e ela fechará o ano em 1,4%— e a manutenção do desemprego na casa de 12%.

O livro-texto sugere que, no regime de metas de inflação, somente faz sentido elevar os juros em seguida a choques de oferta, como foi o caso neste ano, se houver sinais de que o choque vai se espraiar para os componente­s não diretament­e afetados por ele.

O câmbio e o preço do petróleo sobem. Evidenteme­nte o preço da gasolina subirá. Se a subida do preço da gasolina e de outros itens diretament­e afetados pelo câmbio enseja um processo de remarcação generaliza­do dos preços, o BC tem que subir os juros para combater esses efeitos secundário­s do choque de oferta sobre a inflação.

Foi o caso, por exemplo, em 2015 e 2016, em que havia sinais claros de repasse do choque cambial e da correção dos preços administra­dos sobre o índice como um todo, principalm­ente os serviços.

Ocorre que, ao longo deste ano, os preços dos serviços, que são os mais sensíveis a excesso de demanda ou de oferta no mercado doméstico de bens e serviços, não se aceleraram. O motivo é que o elevado desemprego e as expectativ­as de inflação muito ancoradas, em razão da boa reputação do BC, têm impedido repasse do choque de oferta para os preços.

Ou seja, no regime de meta de inflação, diferentem­ente do regime de câmbio fixo, a política monetária é o elemento regulador da demanda agregada, e não do câmbio. Tratei desse tema neste espaço em 10 de junho último.

Parte do choque cambial se reverteu, o choque do preço do petróleo reverteu-se integralme­nte, e os efeitos do movimento dos caminhonei­ros sobre a inflação foram transitóri­os.

O choque afetou a inflação: iria fechar o ano na casa de 3% e agora fechará pouco abaixo de 4%. Mas não afetou a inflação de serviços, que fechará o ano em 3,2%.

Ilan Goldfajn manteve o sangue-frio e não seguiu o mercado. A taxa Selic ficou parada em 6,5%. Há sinais de que a economia inicia lenta aceleração. Teria sido abortada se Ilan tivesse seguido o mercado.

Os banqueiros centrais seguem o livro-texto. Ilan sairá do Banco Central e será sucedido por Roberto Campos Neto. Sucesso ao novo presidente.

Ilan deixa ótimo legado: inflação baixa, juros nas mínimas históricas e expectativ­as inflacioná­rias ancoradas.

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