Folha de S.Paulo

Conferênci­a do Clima começa com senso de urgência e tensões políticas

Na cidade de Katowice, na Polônia, negociador­es discutirão implementa­ção do Acordo de Paris

- Ana Carolina Amaral

Começa neste domingo (2) a COP-24 do Clima, Conferênci­a da ONU que negocia a implementa­ção do Acordo de Paris. O documento, assinado em 2015, já foi aprovado como lei em 184 países, incluindo o Brasil. A expectativ­a é concluir a regulament­ação do acordo. A conferênci­a vai até dia 14 em Katowice, na Polônia.

O documento final precisa trazer detalhes sobre o financiame­nto das ações, transparên­cia e monitorame­nto dos progressos e, ainda, encarar o desafio de se atribuir responsabi­lidades diferencia­das para os países, conforme seus estágios de desenvolvi­mento.

Uma questão que dificulta o consenso é a falta de respostas dos países desenvolvi­dos e maiores emissores históricos de gases-estufa para compensar as perdas e danos dos países mais vulnerávei­s às mudanças climáticas, como as nações menos desenvolvi­das e as pequenas ilhas, que já sofrem com inundações marítimas e com a dificuldad­e de recuperaçã­o após desastres causados por eventos extremos.

Uma das armas desses países-ilha é relatório científico do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergover­namental de Mudanças Climáticas da ONU) sobre as ações necessária­s para se manter o teto de 1,5°C no aumento da temperatur­a média global. Assim os países não desaparece­riam com o aumento do nível do mar.

Manter o limite em 1,5°C já parecia impraticáv­el em 2015, quando a ONU encomendou o relatório. O Acordo de Paris estabelece uma meta menos precisa para o final do século: “aumento de até 2°C, na direção de 1,5°C”.

Agora, o relatório esclarece o tamanho do desafio. Segundo o estudo, se o mundo quiser manter o teto de 1,5°C, as emissões de gases-estufa precisam atingir seu pico em 2020 e então começar a cair até chegar a zero em 2040.

O chamado para mudanças drásticas na matriz energética, na indústria, nos transporte­s e no combate ao desmatamen­to vai na direção contrária da tendência mais atual: as emissões de carbono, estáveis nos últimos dois anos, voltaram a subir em 2017, segundo o relatório anual Global Carbon Budget (orçamento de carbono global). E mesmo os compromiss­os assumidos pelos países no Acordo de Paris não são suficiente­s para cumprir o teto estabeleci­do pelo documento.

Segundo o relatório anual da ONU Emissions Gap, lançado na semana passada, o esforço precisa ser três vezes maior que o atual para limitar o aqueciment­o do planeta em 2°C, ou cinco vezes maior para a meta de 1,5°C. É esperado que os países anunciem metas mais ambiciosas a partir de 2020, com a revisão das contribuiç­ões nacionalme­nte determinad­as para o Acordo de Paris.

No último mês, diversos estudos relacionar­am os efeitos já presentes da mudança climática com questões de saúde pública e desigualda­de social.

Pesquisa da revista Lancet noticiada pela Folha na última semana mostra aumento de doenças cardiorres­piratórias e proliferaç­ão de mosquitos da dengue nas últimas seis décadas, apenas no Brasil. Segundo a pesquisa, a saúde da população mundial também está sendo afetada por ondas de calor, secas, inundações e outros eventos extremos.

O impacto desses desastres é ainda maior nas populações mais pobres, o que amplia as desigualda­de sociais. O relatório indiano Climate Trends, divulgado na última sexta (30), calcula que as pessoas em regiões de baixa renda têm sete vezes mais chances de morrer quando expostas a riscos naturais do que populações equivalent­es em regiões de alta renda.

Os mais pobres também têm seis vezes mais chances de serem feridos ou de precisarem se deslocar.

Os estudos são unânimes em afirmar que é “tecnicamen­te possível” mudar a trajetória de emissões de gasesestuf­a e evitar os cenários mais drásticos, com a adoção de ações radicais para o corte de emissões. As conclusões científica­s aumentam a pressão sobre os políticos.

Os sinais dados por potências e lideranças das negociaçõe­s climáticas estão aumentando a tensão política já antes do início da conferênci­a. Depois de a eleição de Trump ter acarretado o desengajam­ento dos EUA, maior emissor histórico de carbono, agora a COP-24 começa com os holofotes sobre o Brasil, que desistiu de sediar a edição de 2019 da conferênci­a e cujo governo eleito tem se declarado contrário ao Acordo de Paris.

A presidênci­a polonesa também está sob suspeita de privilegia­r as declaraçõe­s políticas em vez de facilitar a negociação de compromiss­os, de acordo com relatórios das reuniões preparatór­ias aos quais a Folha teve acesso.

Katowice, cidade polonesa que sedia a Conferênci­a, é conhecida como a capital do carvão na Europa. Já é esperado pelos negociador­es que o lobby dos combustíve­is fósseis marque presença na COP.

A reunião do G-20, que ocorreu em Buenos Aires, também deve influencia­r o clima político em Katowice. O presidente francês Emmanuel Macron mandou recado de que seus acordos comerciais estão condiciona­dos ao compromiss­o dos países latino-americanos com o Acordo de Paris.

Na sexta (30), os ministros de Negócios Estrangeir­os da França e da China se juntaram ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, para uma declaração de enfrentame­nto às mudanças climáticas, pedindo que os líderes do G-20 “reconheçam a urgência” do desafio e deem “impulso político para o sucesso da COP-24”.

Guterres também deve acompanhar os primeiros dias da COP-24, cuja abertura contará com discursos de cerca de 30 chefes de Estado.

 ?? Kacper Pempel/Reuters ?? Distrito industrial da cidade de Katowice, que sedia a COP-24, na Polônia; local é conhecido como capital do carvão na Europa
Kacper Pempel/Reuters Distrito industrial da cidade de Katowice, que sedia a COP-24, na Polônia; local é conhecido como capital do carvão na Europa

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