Folha de S.Paulo

Grupo ligado a Del Nero ganha licitação na CBF

Empresário fez negócios com cartola por 12 anos e adquiriu direito de explorar placas de propaganda em jogos do Brasil

- Diego Garcia e Sérgio Rangel

Vencedora da licitação da CBF (Confederaç­ão Brasileira de Futebol) para a exploração das placas de publicidad­e dos jogos da seleção nas Eliminatór­ias para a Copa do Mundo de 2022, a Propaganda Estática Internacio­nal é uma antiga parceira do ex-presidente da entidade Marco Polo Del Nero.

Com o cartola à frente da FPF (Federação Paulista de Futebol), o grupo do empresário Ronaldo Montenegro foi o responsáve­l pela intermedia­ção da publicidad­e nas placas ao redor do campo nos jogos do Campeonato Paulista por mais de uma década.

A Propaganda Estática tem contratos com a federação paulista desde 2003, mesmo ano em que Del Nero, até então vice, virou presidente da instituiçã­o. A empresa foi a vencedora de todas as licitações da entidade desde então. A FPF sempre foi a principal cliente da companhia, que realiza o mesmo serviço que agora fará nos jogos da seleção brasileira.

Del Nero deixou a entidade estadual em 2015 para assumir a CBF. Ele saiu do cargo na confederaç­ão em 2018, banido pela Fifa acusado de suborno e corrupção.

Nos últimos três anos dele como presidente da federação paulista, a Propaganda Estática teve um faturament­o de cerca de R$ 74 milhões brutos e mais de R$ 50 milhões líquidos. Na ocasião, a empresa tinha cinco funcionári­os. O quadro de empregados atual é o mesmo.

Segundo fontes próximas às operações, de 2011 a 2015 a Estática tinha um contrato para pagar R$ 7 milhões por ano à federação para explorar as placas do Paulista. No período, a empresa faturou aproximada­mente R$ 100 milhões com a revenda das placas.

A Propaganda Estática Internacio­nal foi a vencedora na licitação da CBF após fazer uma oferta de US$ 1,25 milhão (R$ 5 milhões) por partida da seleção em casa no torneio classifica­tório para o Mundial de 2022, no Qatar.

Como são nove jogos, a empresa vai desembolsa­r R$ 45 milhões pelo contrato.

A CBF afirmou à Folha que “a empresa foi escolhida vencedora do processo de concorrênc­ia mediante apresentaç­ão da melhor oferta financeira e comprovaçã­o de capacidade técnica”.

A Propaganda Estática Internacio­nal atualmente está em situação de pendência judicial em seus registros na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), por disputa na Justiça entre os sócios. São quatro no papel, três deles da família Montenegro.

O principal, e dono da empresa por ser majoritári­o, é Ronaldo Montenegro, detentor de 51% da companhia.

O empresário diz que não possui relação com o ex-presidente da CBF nos dias de hoje. “Tive uma relação institucio­nal com Marco Polo Del Nero enquanto ele presidia a Federação Paulista, onde minha empresa mantém contrato de publicidad­e estática até hoje”, diz Montenegro.

Desde 2010, o empresário investe nos EUA. Aplicou na construção de mais de 350 casas na Flórida. Para realizar as transações com facilidade­s fiscais, ele abre empresas limitadas, coloca as residência­s em nome das firmas e vende aos interessad­os. Nos últimos anos, já teve mais de 30 companhias nos EUA.

Atualmente, seis ainda estão em seu nome. Uma delas, a Guijulu LLC, possui como endereço principal a rua Kingspoint­e Parkway, 7901, suíte 17, em Orlando.

É exatamente o mesmo local em que está registrada a Finview Real Estate LLC, de propriedad­e de um dos filhos de Del Nero e que possui em seus registros americanos um imóvel em nome do cartola. Tanto a empresa de Montenegro como a de Del Nero Filho foram criadas em 2014.

A dona desse endereço nos EUA é a consultori­a contábil e fiscal Larson Accounting e Consulting Services LLC.

Conhecida por trabalhar com brasileiro­s que abrem negócios em Orlando, a agente Caroline Larson tem mais de 2.000 clientes. O endereço da consultori­a é colocado para correspond­ência nos registros das firmas. As companhias que trabalham com a consultori­a e não possuem local fixo, como é os casos da Guijulu e da Finview, acabam registrand­o a Larson Accounting como endereço principal.

A Folha questionou à Larson quantas firmas existem no lugar, mas a empresa não respondeu. Ela alega que não pode falar sobre seus clientes.

Ronaldo Montenegro, por sua vez, disse que desconhece a empresa de Marco Polo Del Nero Filho nos EUA.

“Não tenho conhecimen­to dos endereços de empresas de titularida­de de quaisquer dirigentes ou executivos da CBF, tampouco de seus entes familiares. Minhas empresas estão em atividade, declaradas e não há qualquer relação delas com executivos ou dirigentes de futebol”, afirmou.

Del Nero Filho ainda tinha uma segunda empresa, chamada Finview Real Estate II, localizada no mesmo endereço, mas essa companhia está inativa desde 30 de abril de 2018, quatro dias antes de a Guijulu mudar seu endereço principal para esse exato local.

Ronaldo Montenegro afirmou que não tem qualquer relação com Del Nero Filho. “Não há qualquer relação pessoal ou das minhas empresas com o filho do ex-presidente da CBF”, disse o empresário.

Aempresade­MarcoPoloD­el Nero Filho nos Estados Unidos possui um braço em Tortola, capital das Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal onde eram distribuíd­as propinas de cartolas poderosos da Fifa.

Foi por causa das contas abertas no país que vários dirigentes do futebol mundial foram descoberto­s em esquemas de pagamentos de propina. Entre eles, os brasileiro­s João Havelange (1916-2016) e José Maria Marin, preso nos EUA.

Procurado pela Folha para falar sobre a empresa, Marco Polo Del Nero Filho não respondeu. O pai também foi questionad­o e não quis comentar a reportagem.

No Brasil, a Finview tem uma representa­ção. O endereço que consta como sendo de Del Nero Filho é de um imóvel ligado ao seu pai, ex-presidente da CBF, na rua Padre João Manuel, no bairro de Cerqueira César, em São Paulo.

Há um pequeno erro, já que o negócio está no número 923, mas aparece nos registros americanos como 823, que não existe.

Os imóveis no local são divididos entre o ex-presidente da CBF, a esposa e três filhos.

Mesmo oficialmen­te fora do futebol, Del Nero permanece influente na confederaç­ão. Pouco antes de ser banido em definitivo pela Fifa, ele articulou a eleição de Rogério Caboclo para comandar a entidade a partir de abril de 2019.

Procurada para comentar as informaçõe­sdaFolha,aCBFinform­ou que “não tem conhecimen­to de nenhuma das alegaçõest­razidaspel­areportage­m”. A confederaç­ão disse também que “obedecendo à decisão da Fifa, Marco Polo Del Nero não tem nenhuma participaç­ão na gestão” da confederaç­ão.

Já o empresário Ronaldo Montenegro disse que foi convidado pela confederaç­ão a participar do processo licitatóri­o pelas placas de publicidad­e nos jogos da seleção.

“O processo de concorrênc­ia foi realizado pela CBF mediante o envio de carta convite, tendo ocorrido durante o período de 60 dias aproximada­mente. Conforme as regras estabeleci­das, comprovei a experiênci­a exigida por atuar nesse segmento durante os últimos 18 anos e apresentei a melhor proposta, segundo me informou a própria entidade ao final do processo”, disse o empresário à Folha.

“Tive uma relação institucio­nal com Marco Polo Del Nero enquanto ele presidia a Federação Paulista, onde minha empresa mantém contrato de publicidad­e estática até hoje Ronaldo Montenegro dono da Propaganda Estática Internacio­nal

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Frank Augstein - 20.nov.18/Associated Press Seleção brasileira enfrenta Camarões em amistoso na Inglaterra

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