Folha de S.Paulo

Quem ficou feliz com o Brasileiro

Só duas torcidas têm por que festejar os resultados do campeonato

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Os torcedores alviverdes e colorados têm o que comemorar nesta rodada que marca o fim do Brasileiro de 2018.

Os primeiros pelo título incontestá­vel que festejam depois de um segundo turno impecável e que deve terminar ineditamen­te sem derrotas contra o rebaixado Vitória.

Os segundos pelo terceiro lugar obtido no ano seguinte da temporada em que estiveram pela primeira vez na Série B.

Não é o caso dos flamenguis­tas que, embora vice-campeões, tinham pretensão mais ambiciosa, a de estar no lugar do Palmeiras.

E olhe que apoio da massa rubro-negra não faltou, campeã em comparecim­ento com média de mais de 46 mil torcedores por jogo, 15 mil a mais que a torcida campeã, embora com preço médio do ingresso na casa dos R$ 29, enquanto na casa verde pagou-se bem mais, R$ 52.

O que revela não apenas as diferenças dos mercados paulista e carioca, mas a falta de uma política geral no trato das coisas do futebol no Brasil, algo que só uma liga de clubes proporcion­aria, pois os campeonato­s organizado­s pela CBF são pensados com quaisquer outras partes do corpo, menos com a cabeça.

Tanto que a média de público do mais importante torneio nacional é de 18.468 torcedores por jogo até aqui, com taxa de ocupação dos estádios de 42%. 42%!

E olhe que melhorou em relação ao ano passado, quando a média ficou em míseros 15.975 torcedores.

E olhe mais: a média deste ano é quase o dobro da média do mais bem sucedido campeonato estadual, o Paulistinh­a, com 9.768 pagantes por partida.

Antes de continuar, cumpre dizer que todos esses números são fruto de sério levantamen­to dos companheir­os do “Globo Esporte”.

É possível dizer que um campeonato é bem-sucedido com taxa de ocupação dos estádios abaixo de 50%?

Pois saibam a rara leitora e o raro leitor que apenas 5 dos 20 clubes do Brasileiro ultrapassa­ram a metade da capacidade de seus estádios: o Palmeiras (75%); o Corinthian­s (65%); o Flamengo (58%); o Inter (55%) e o São Paulo (51%).

Convenhamo­s que nem mesmo a média alviverde, disparada a melhor, é plenamente satisfatór­ia, pois demonstra uma taxa ainda alta de espaços vazios.

A presença insatisfat­ória de torcedores tem diversas explicaçõe­s, a começar pelo poder aquisitivo e a continuar pela inseguranç­a pública, porque nem mesmo o nível técnico medíocre do futebol jogado hoje no país explica alguma coisa, nesta era em que se joga para vencer e o resto é secundário.

A liga sonhada poderia reunir todos à mesma mesa para pensarem no negócio que lhes é comum, como se faz, por exemplo, na NBA.

Se é inevitável ter de conviver com o América, como fazer para evitar sua média de 4.961 pagantes, com 79% do Estádio Independên­cia ocioso, um escândalo sob qualquer prisma numa atividade dita profission­al?

Eis a pergunta que a CBF jamais responderá até por não se interessar nem pela resposta, nem pela resolução do problema, mais preocupada em levar sua grife, a seleção brasileira, para estádios menores na Inglaterra, com capacidade para 30 mil pessoas como no último amistoso.

Sim, porque é possível fazer jogos rentáveis até sem público, basta um sheik rico pagar a conta.

Mas tem alguma graça futebol sem torcida?

Com tanto espaço vago não aparecerá uma ideia para ocupá-lo em projetos com escolas, com programas sociais de governos municipais ou estaduais?

Que tal pensar no torcedor do futuro?

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