Redescobertos, bambas da Bahia gravam canções e tocam no Dia do Samba
salvador Gumercindo Vieira Reis, o Guiga de Ogum, 76, morador da Preguiça, em Salvador, há mais de 50 anos, estima ter mais de 300 composições.
Filho de rezadeira e devoto de santo Antônio —sincretizado com Ogum na Bahia—, compõe desde menino, mas teve de esperar a velhice para gravar suas músicas.
Descendente de indígenas e ciganos, Guiga é uma espécie de Nelson Cavaquinho baiano dos tempos atuais. Com sua voz rouca e cabelos grisalhos, o poeta da Preguiça, que já foi gravado por Lenny Andrade, Jorginho do Império e Jorge Aragão, se diz feliz pelo reconhecimento tardio, mas deixa escapar uma pitada de ressentimento e melancolia ao comentar sua trajetória no samba soteropolitano.
“O samba realmente me deixa feliz, mas, para falar a verdade, eu chamo a Bahia de madrasta. Não foi aqui que as portas se abriram para mim, e sim em São Paulo.”
O sambista conta que foi quando conheceu o compositor e músico paulistano Paulo Leal, o Paulinho Timor, 36, em uma roda de samba no Terreiro de Jesus, em Salvador, em 2015, que as coisas começaram a melhorar para ele. “Esperei 50 anos para ter um lugar ao sol”, diz.
A convite de Paulinho, Guiga fez uma turnê em São Paulo e, posteriormente, registrou três composições no disco “Todo Mundo Tem que Falar”, do grupo Bambas de Sampa, que também trouxe gravações de Riachão e Edil Pacheco.
Com Riachão, o conjunto idealizado por Paulinho chegou a realizar turnê nacional, com apresentações em São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Salvador —os paulistas se apresentarão pelo terceiro ano consecutivo neste domingo (2), Dia Nacional do Samba, na capital baiana. O evento na praça Caramuru terá Alcione entre as principais atrações.
“O samba baiano ainda tem a pureza do povo complexo que é o brasileiro”, diz Timor, que irá lançar seu primeiro álbum autoral, “O Samba Chegou”, no dia 6 de dezembro, na Galeria Olido, em São Paulo. “O Brasil precisa valorizar seus baluartes. Os mestres baianos estão aí, cheios de histórias para contar, compondo sambas novos, mas poucos veem, poucos têm interesse neles.”
Inspirado no disco “Samba da Bahia”, de 1973, que trazia as participações de Batatinha, Riachão e Panela, um outro paulista, o músico e professor Enio Bernardes, 45, desenvolveu o projeto Bahia Dá Samba, que culminou em uma gravação de um álbum de 12 faixas.
Além de Guiga, participaram do disco Walmir Lima, compositor do clássico samba “Ilha de Maré”, e Reginaldo Souza, o seu Regi de Itapuã, mestre griô (contador de histórias, na tradição africana) que pela primeira vez registrou suas canções.
Para Martinho da Vila, o registro desses bambas da Bahia é algo a se celebrar. “O samba na Bahia sempre esteve bastante forte, mas passou por período de baixa. Agora, porém, está voltando com bastante potência, o que é muito bom, muito maneiro”, declara o sambista.
Bernardes, no entanto, diz que ainda há muito a fazer. “Seria muito bom se esse disco chegasse às mãos de intérpretes como Mariene de Castro, Zeca Pagodinho, Teresa Cristina e por aí vai. Juntando Guiga, Walmir e seu Regi, dá mais de mil músicas. Tem samba que tem mais de 40 anos aí para ser gravado.”
Dia Nacional do Samba
Dom. (2), na pça. Caramuru, Salvador, a partir das 16h, com Alcione, Edil Pacheco, Walmir Lima, Guiga de Ogum, Firmino de Itapuã, Muniz do Garcia, Verônica Dumar, Gal do Beco, Roque Bentenquê, Neto Bala, Claudete Macedo, Gerônimo, Bambas de Sampa e outros. Grátis