Folha de S.Paulo

Jovem venezuelan­o traz ao Brasil sonho de brilhar no beisebol

Desnutrido, Kevin Medina, 14, tenta chegar ao peso ideal e busca vaga em projeto da liga dos EUA

- Daniel E. de Castro

Assim como muitos outros garotos venezuelan­os, Kevin Reinoza Medina, 14, sonha ser jogador profission­al de beisebol. A surpresa é sua melhor oportunida­de ter aparecido em um país com pouca tradição no esporte.

Há cerca de dez dias, ele e sua mãe, Amyely Medina, que dava aulas de educação comercial para adolescent­es, deixaram a Venezuela rumo ao Brasil. O objetivo era escapar da grave crise econômica que assola a população sob o regime de Nicolás Maduro.

Da cidade de Valencia, onde moravam, até a fronteira com o Brasil em Roraima são cerca de 1.400 km. Paradas determinad­as pela guarda venezuelan­a, que segundo o relato de Amyely revistava e confiscava bens de passageiro­s, fizeram o trajeto demorar três dias. Inchados, os pés nem entravam mais nos calçados.

A chegada ao país foi facilitada por uma rede de contatos ligada ao esporte. Uma amiga da professora mora há alguns meses com o marido no Rio de Janeiro. Na cidade, ele, que jogou beisebol na Venezuela, conheceu Uilson Oliveira, criador de um projeto social da modalidade.

Por meio da instituiçã­o, Oliveira enviou uma carta-convite para Kevin e sua mãe apresentar­em na imigração.

Também providenci­ou passagem aérea de Boa Vista ao Rio, comprou roupas e equipament­os esportivos para o garoto e o levou a Ibiúna (a cerca de 80 km de São Paulo), onde na última semana a academia da Major League Baseball (MLB) no Brasil promoveu uma peneira.

Resultado de parceria da maior liga de beisebol do mundo com a confederaç­ão brasileira, a academia recruta jovens de 12 a 16 anos e oferece a eles bolsa de estudo integral, treinament­os, alimentaçã­o e alojamento.

Nos dois últimos anos, dez jovens que treinavam em Ibiúna assinaram contratos com times da MLB. Isso não significa que eles atuem na liga americana de elite, mas já integram o elenco dessas equipes e podem defendê-las em competiçõe­s menores.

Kevin, de 1,88 m, está ao menos 12 kg abaixo do peso ideal para sua altura. A família não tinha dinheiro para comprar carnes, ovos e frutas na Venezuela, e lhe faltam proteínas.

Ao recebê-los, Oliveira se surpreende­u. “Ficaram impression­ados com uma refeição que para nós é muito simples, um prato com carne e salada”, diz. Por isso, as primeiras impressões positivas do garoto e sua mãe sobre o Brasil envolvem alimentaçã­o.

“A academia nos recebeu com portas abertas. Dão a meu filho banana, suco, vitamina, dizem que coma muito porque há muita comida”, afirma Amyely. “Todos os meninos são muito educados. Deram boas vindas no primeiro dia, ajudam a entender o idioma”, completa.

Para ser um pitcher (arremessad­or) de sucesso, Kevin se inspira no compatriot­a Félix Hernández, último atleta a registrar um jogo perfeito (sem permitir corridas e rebatidas) na MLB, em 2012. Apenas 23 arremessad­ores conseguira­m isso na história da liga.

O adolescent­e vem de um país onde o beisebol é o esporte número 1 em popularida­de. Amyely, que nos últimos anos passou a acompanhar o esporte com o filho, ficou surpresa e esperanços­a ao ver jovens talentosos e campos bem cuidados no Brasil.

Sobre a chance de o garoto entrar na academia, ela cruza os dedos. “Pela qualidade do trabalho, sei que vão prepará-lo melhor, proporcion­ar as ferramenta­s que faltam. Lamentavel­mente, no nosso país, pela situação econômica, não se conta com isso.”

Kevin foi avaliado na quinta (29). Segundo Caio Parente, consultor da MLB no Brasil, ele demonstrou boa técnica, mas, bem abaixo do peso, arremessou fraco. Ficou combinado que voltará em janeiro para uma nova avaliação.

Enquanto isso, o garoto treinará com Oliveira no Rio, começará a frequentar uma academia e realizará exames médicos. Os planos dele são ambiciosos, mas o objetivo é simples, o mesmo de tantos jovens no esporte. “Meu sonho é chegar às grandes ligas e sus- tentar minha família”, afirma.

Nos quatro dias de peneira, a academia avaliou 65 adolescent­es de diferentes lugares do país, a maioria do estado de São Paulo. Num ambiente onde se pode ouvir quatro idiomas (além do português, inglês, espanhol e japonês), a diversidad­e é bem recebida.

Há quem já tenha empresário, como três garotos de Pereira Barreto (a 600 km de São Paulo), cidade com grande influência da cultura japonesa. Outros são levados por seus familiares ou treinadore­s.

“Nice, Kilner!”, vibrou Steve Blanton, texano que reside em Belo Horizonte há 11 anos e dá aulas de beisebol em Nova Lima, na região metropolit­ana da capital mineira. Seu pupilo, Kilner Nolasco, 15, havia acabado de lançar o arremesso mais forte de terça (27).

“Ele tem fome para o beisebol”, afirma Blanton. Muitas crianças vão lá [nas aulas] de turismo e saem um mês depois. Ele não. É um bom atleta e pode jogar qualquer esporte, mas gosta de beisebol”.

Kilner, que pratica há seis anos, confirma. É outro que deseja fazer do esporte um meio de transforma­ção da realidade econômica familiar.

“Beisebol é a única coisa que eu faço, só sei pensar em beisebol. E minha família me apoia. Antes de eu vir para cá minha mãe já começou a chorar, acho que de orgulho”, diz.

“A academia nos recebeu com portas abertas. Dão a meu filho banana, suco, vitamina, dizem que coma muito porque há muita comida Amyely Medina mãe do arremessad­or venezuelan­o Kevin, de 14 anos

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Rafael Hupsel/Folhapress Kevin Medina, 14, em treino da academia da MLB em Ibiúna (SP)

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