Folha de S.Paulo

Trégua pelo comércio

A despeito de pressões contra o multilater­alismo, encontro do G20 mostra avanços; EUA e China acertam suspensão de tarifas sobre importaçõe­s

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Sobre reunião do G20 e conflito entre EUA e China.

Não faltou quem visse a inédita ausência de uma referência contrária ao protecioni­smo no comunicado oficial do G20, o grupo que reúne as maiores economias do mundo, como mais um sinal de enfraqueci­mento do compromiss­o com o multilater­alismo, conceito que está na base da atuação da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC).

Difícil argumentar em contrário, reconheça-se, no contexto das restrições crescentes ao intercâmbi­o mundial nos últimos anos, sobretudo desde que Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos e impôs tarifas sobre cerca de metade das importaçõe­s americanas oriundas da China.

Entretanto essa conclusão ainda se mostra, talvez, precipitad­a. A passagem mais importante do texto do G20 nessa seara, de fato, é o reconhecim­ento da importânci­a do sistema multilater­al de comércio para o desenvolvi­mento econômico —ainda que pontuado pela afirmação de que o mecanismo está aquém dos desafios atuais.

O documento menciona a necessidad­e de reformar a OMC para melhorar seu funcioname­nto, além de renovar o compromiss­o do grupo com o aperfeiçoa­mento de uma ordem internacio­nal a partir de regras concertada­s.

A concordânc­ia quanto ao redesenho do organismo aponta que ao menos parte das críticas americanas (e de vários outros países) tem base na realidade. O fracasso da rodada de Doha, em 2015, evidenciou os limites do padrão atual de funcioname­nto.

De fato, várias melhorias se impõem para que a OMC se mantenha relevante —e consiga novamente atrair o interesse das principais economias do mundo em utilizá-la como plataforma de negociação comercial.

Entre os pontos controvers­os estão os mecanismos de resolução de disputas e a brecha aberta a países considerad­os em desenvolvi­mento para tratamento diferencia­do, o que facilita a adoção de subsídios e outras políticas protecioni­stas.

Esta última é uma área sensível em particular por causa da China, que goza do status de emergente mas já compete em pé de igualdade com Estados Unidos e Europa em praticamen­te todos os campos industriai­s e tecnológic­os.

A disposição do G20 de acelerar tratativas para reformar a OMC nos próximos meses pode significar uma nova chance ao multilater­alismo. Enquanto isso, em reunião separada, os líderes americano e chinês acertaram uma bemvinda trégua de 90 dias.

Até que seja negociado um acordo mais duradouro em áreas como propriedad­e intelectua­l e tecnologia, ficará congelada a majoração de tarifas por parte dos EUA, que ocorreria a partir de 1º de janeiro.

No geral, pois, a reunião sugere que conflitos comerciais destrutivo­s podem não ser inevitávei­s.

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