Folha de S.Paulo

A censura não falha

- Ruy Castro

“Laranja Mecânica”, filme de Stanley Kubrick com algum sexo e muita violência, estreou em 1972 no mundo adulto —EUA, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Japão, Canadá, Suíça etc.— e as instituiçõ­es continuara­m de pé. No infantiliz­ado Brasil, só foi liberado em 1978 e, mesmo assim, com inéditas bolas pretas sobre as partes dos personagen­s. Como estes se moviam em cena, as bolas os acompanhav­am e a tela parecia uma sinuca dançante. A plateia urrava de rir.

Em 1970, a censura proibiu a circulação da Playboy americana no país e obrigou sua humilde congênere nacional, Fairplay, a circular dentro de um plástico lacrado e com uma cor chapada em cima, deixando visível só o logotipo. Era ridículo, mas, com isso, a censura conseguiu asfixiar a revista, que fechou. Em 1955, “Rio 40 Graus”, filme de Nelson Pereira dos Santos, também foi proibido no lançamento, sob a alegação de que no Rio não fazia 40 graus.

Em 1931, nomeado Chefe da Polícia do Distrito Federal —o Rio— por Getulio Vargas, o provincian­o Batista Luzardo deu uma volta por Copacabana e não gostou. Os rapazes e moças na praia usavam maiôs colantes que mostravam suas pernas e costas. Uma afronta. Luzardo tentou impor a volta do roupão de banho sobre as carnes quase nuas. O carioca ignorou-o e zombou dele.

Mas ninguém supera o prefeito Paulo de Frontin. Em 1919, ele mandou recolher a estátua do Manequinho, o menino fazendo xixi, então na praça Floriano, como “indecorosa”. E olhe que quase todo mundo tinha em casa um Manequinho vivo. Apesar de ridiculari­zado pela cidade, Frontin manteve a proibição. O Manequinho ficou esquecido num depósito e só voltou em 1926, no Mourisco, perto de onde está hoje.

A censura não falha. Cedo ou tarde, leva ao ridículo todos os que tentam praticá-la. Os futuros governante­s, chegados a um ranço moralista, terão sua chance de se tornar piada nacional.

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