Folha de S.Paulo

Ministério­s e governabil­idade

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale; Escreve às segundas

“O passado nunca foi, o passado continua”, afirmou Gilberto Freyre no plenário da Constituin­te de 1946. Podemos parafraseá-lo dizendo que o presidenci­alismo de coalizão nunca foi, ele continua.

No presidenci­alismo de coalizão, o executivo pode recorrer —na barganha com os partidos de sua congressua­l— a instrument­os diversos de sua caixa de ferramenta­s, entre os quais destaca-se o compartilh­amento do portfólio ministeria­l.

Isto é quase universal em contextos multiparti­dários, embora a literatura registre governos minoritári­os que contam apenas com o apoio tácito de partidos que não passam a integrar o governo.

No Brasil, a regra tem sido não só a distribuiç­ão de ministério­s, mas o cresciment­o exponencia­l desses, como parte da formação de coalizões superdimen­sionadas, heterogêne­as e hiper-fragmentad­as.

O número de ministério­s passou de 12 para 39, de Collor a Dilma. Apenas a Índia (governo Modi) ostenta coalizão maior que as brasileira­s sob Dilma (lá são 35 partidos, dos quais 11 são nacionais e 24 provinciai­s).

Dado o efeito incrementa­l da reforma eleitoral, a fragmentaç­ão só cairá a olongo dos próximos anos; oque mudara dicalmente­éa redução do número de ministério­s e o aumento dos ministros técnicos e militares.

O processo está em curso, mas, a ola dodo número expressivo de ministros (11 dacota pessoal dop residente ), já foram anunciadas pastas comre presentant­es do MD B, Democratas, PR P, e PS L, correspond­endo a 119 cadeiras. A taxa de coalescênc­ia, medida como a proporcion­alidade entre bancadas e ministério­s, não parece que vai destoar daquela de alguns governos anteriores, tais como Collor e Lula 1.

Outra mudança —iniciada já no governo Temer— refere-se à heterogene­idade ideológica, ques e reduz significat­ivamente. Parceiros da coalizão sob os governos do PT cobriam todo o espectro ideológico, sugerindo cooptação e oportunism­o, engendrand­o cinismo cívico. As megacoaliz­ões também se refletiam no tamanho do ministeria­do e em suas proporções dantescas, encontrada­s em alguns países africanos (80 no Quênia e 63 em Camarões).

Osvaldo Trigueiro notava, já em 1953: “como nenhum partido está em condições de eleger presidente­s, senadores, governador­es e prefeitos, as coligações de partidos, dando lugar às mais variadas, imprevista­s ou mesmo absurdas combinaçõe­s, tornam-senão apenas prováveis como imprescind­íveis”.

Coalizões decorrem da representa­ção proporcion­al: não há nada inexoravel­mente antirrepub­licano, o compartilh­amento de portfólios é instrument­o clássico de formação de governos. Por que degenerara­m em “absurdas combinaçõe­s” corruptas é outra questão.

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