Folha de S.Paulo

Compliance anticorrup­ção na era Moro

Novos tempos sugerem grande teste para empresas

- Fábio Medina Osório Advogado e ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (mai/set. 2016, governo Temer)

Sabe-se que o conceito de “compliance” remete a categorias amplas e a uma transversa­lidade disciplina­r. Pode-se falar em “compliance multisseto­rial”, na medida em que essa expressão traduz, em essência, a necessidad­e de um ajuste do setor, seja público ou privado, ao ambiente normativo complexo, a partir de uma autorregul­ação organizaci­onal.

Os universos normativos estão cada vez mais sofisticad­os, pois sugerem integraçõe­s nacionais, subnaciona­is, regionais e internacio­nais, um autêntico emaranhado normativo a exigir tecnologia para acompanham­ento e atualizaçã­o. Há que se combinar o detalhe e o principial­ismo, a simplicida­de e a sofisticaç­ão. A finalidade última de um “compliance” é o ajuste dos comportame­ntos às regras essenciais a determinad­as áreas da organizaçã­o.

Um “compliance” notadament­e transdisci­plinar é o dirigido anticorrup­ção, que afeta muitas áreas de qualquer empresa ou entidade. Curioso constatar que a maioria — senão a totalidade— das grandes empresas flagradas na Operação Lava Jato (tida como a maior operação anticorrup­ção do mundo) possuía programas de “compliance” em andamento, alguns com forte aparência de robustez.

Muitas delas financiava­m eventos e seminários com agentes públicos no Brasil e no exterior, enquanto entabulava­m contatos espúrios para confecção de normativas em seu benefício junto aos Poderes constituíd­os. O “compliance” que possuíam era de “fachada”, tal como definido pelo Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica) —ou seja, aquela espécie de programa superficia­l, mascarado, que não é aplicado na cultura corporativ­a da empresa.

Será que esse ambiente mudou ou ainda vivemos um espaço de “compliance” de fachada em inúmeras empresas? Penso que o grande teste ocorrerá nesses novos tempos de alta fiscalizaç­ão e combate à corrupção pública e empresaria­l que passaremos a vivenciar, a partir do momento em que esta agenda não é apenas do Ministério Público ou das autoridade­s administra­tivas independen­tes, mas também do próprio Poder Executivo, na versão do futuro ministro Sergio Moro.

A responsabi­lidade das empresas por organizaçã­o defeituosa de suas estruturas pode ser aferida em razão da impunidade de quem pratica ilícitos em suas organizaçõ­es, e isso se torna possível numa perspectiv­a de múltiplos fatores.

Para que as empresas possam ter imunidade frente à responsabi­lidade objetiva por atos de terceiros, é necessário contar com uma estrutura de “compliance” dotada de independên­cia, autonomia contratual, capacidade operaciona­l e autoridade para imposição de um programa efetivo de integridad­e.

É imperioso que a empresa esteja apta a fiscalizar o cumpriment­o permanente das normativas adequadas, com canais de denúncias ajustados, notadament­e voltados à proteção dos denunciant­es de boa-fé. Nenhuma organizaçã­o está imune a ato de corrupção praticado por algum funcionári­o ou fornecedor. O problema é a lacuna da reação ou dos mecanismos de coerção e fiscalizaç­ão.

O avanço maior da cultura do “compliance” será na fiscalizaç­ão dos concorrent­es e do aperfeiçoa­mento do mercado. Esse será um passo decisivo das empresas. O verdadeiro “compliance” pressupõe não apenas a checagem interna, mas do próprio mercado, dos ambientes organizaci­onais como um todo, eliminando-se cartéis e práticas espúrias.

Se uma empresa investe pesado em seu “compliance” interno, é decorrênci­a lógica que fiscalizar­á seus concorrent­es, ou apostará em entidades associativ­as que façam esse trabalho, pois todo um setor pressupõe ligações recíprocas.

Nenhuma empresa suportará a concorrênc­ia desleal, muito menos práticas espúrias de seus pares, na medida em que o contágio de um ato ilícito se espalha como um vírus por todo um segmento, podendo manchá-lo perante a comunidade internacio­nal.

 ?? Cesar Habert Paciornik ??
Cesar Habert Paciornik

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil