Folha de S.Paulo

A ‘caixa branca’ da saúde pública

ANS descumpre papel de organizar repasses ao SUS

- Henrique Prata Presidente do Conselho Consultivo da Fundação Pio XII, mantenedor­a do Hospital de Amor de Barretos-SP (antigo Hospital de Câncer)

O SUS (Sistema Único de Saúde) é o maior e melhor sistema de saúde pública do mundo. É uma realidade maior e mais bonita do que sonharam os sanitarist­as que lutaram para que o modelo fosse abrigado pela Constituiç­ão de 1988.

Ao programa de saúde da família somaram-se diversos tratamento­s de alta complexida­de, com o que existe de melhor e mais moderno, oferecidos para toda a população.

O êxito do nosso modelo de saúde pública, no entanto, vem sendo sabotado pela cooptação de operadores de saúde privada patrocinad­a pela Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS). Desde sua criação, a ANS, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, não cumpre seu papel de operar com critérios de governança pública e de organizar os repasses para o SUS.

De um lado, o sistema privado goza de desoneraçõ­es; de outro, não cobre os custos de seus segurados que utilizam o sistema público. Com a dupla oneração do Estado, quem lucra são as operadoras de planos de saúde, cujos beneficiár­ios correspond­em a só um quarto da população.

A ANS e suas operadoras, alardeando casos isolados de má gestão, vêm propugnand­o um modelo desvirtuad­o de saúde pública, baseado em planos básicos de saúde privada para todos.

Essa ideia, se concretiza­da, acabaria com o sonho do SUS. É preciso que essa tentativa de golpe da saúde privada seja denunciada, o que fiz em carta enviada ao presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Devemos nos perguntar, por exemplo, a quem interessa a defasagem da tabela SUS, congelada há 15 anos. Certamente aos partidos políticos que defendem projetos descomprom­issados com a efetividad­e da assistênci­a à saúde pública.

É imprescind­ível também refletir sobre o cresciment­o das clínicas populares privadas, que exploram a ineficiênc­ia do SUS, cobrando da população consultas e exames de diagnóstic­os que deveriam ser de responsabi­lidade do SUS e direito constituci­onal do cidadão.

As instituiçõ­es verdadeira­mente filantrópi­cas —que se diferencia­m daquelas que apenas buscam certificaç­ão para isenções tributária­s— lutam contra desoneraçõ­es e benefícios que não fazem sentido.

Um exemplo é o Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvi­mento Institucio­nal do SUS), que precisa acabar, pois representa uma afronta aos brasileiro­s nas filas dos hospitais públicos. No âmbito do Proadi, há pelo menos 111 projetos em execução em seis hospitais de excelência. Apenas entre 2012 e 2014 foram mais de R$ 2 bilhões em isenções fiscais.

Ocorre que essas renomadas instituiçõ­es também participam do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) e de outros projetos com leis de incentivos. Não só recebem benefício duplo como concorrem com instituiçõ­es que atendem principalm­ente pacientes do SUS e que têm de conviver com grandes dificuldad­es de custeio.

A saúde pública no Brasil é uma caixa preta pintada de branco. Se o novo presidente pretende ser bemsucedid­o nessa área, deve abri-la o quanto antes.

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