Folha de S.Paulo

Jair Bolsonaro deverá ter base aliada instável no Congresso Nacional

Apenas 3 das 15 maiores legendas da Câmara deverão dar apoio formal a novo governo; outras dizem que vão ser independen­tes

- Bruno Boghossian

“Estamos dispostos a contribuir com o país. Nosso apoio estará vinculado exclusivam­ente à concordânc­ia com a agenda que o governo terá para o país ACM Neto presidente do DEM

O critério de escolha de ministros e o modelo de articulaçã­o política adotado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), devem fazer com que o próximo governo entre em campo com uma coalizão instável no Congresso Nacional.

Metade dos principais partidos do país diz que pretende colaborar com o presidente eleito, mas só 3 das 15 maiores siglas da Câmara dos Deputados dizem estar dispostas a integrar oficialmen­te a base governista.

A relação entre esses partidos e o novo governo indica que Bolsonaro terá um núcleo enxuto de sustentaçã­o política.

Para aprovar projetos de seu interesse, o presidente eleito dependerá também de siglas que têm simpatia por sua agenda, mas permanecem em órbitas afastadas.

A Folha consultou os presidente­s, dirigentes e líderes dos 15 maiores partidos da Câmara.

Além do PSL de Bolsonaro, apenas DEM e PTB discutem uma adesão formal à base aliada do próximo governo.

“Estamos dispostos a contribuir com o país. Nosso apoio estará vinculado exclusivam­ente à concordânc­ia com a agenda que o governo terá para o país”, afirma ACM Neto, presidente do DEM.

A sigla terá três ministros no governo Bolsonaro —Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultur­a) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde)—, embora a cúpula da legenda negue que tenha feito as indicações.

Juntas, as bancadas desses três partidos terão 91 integrante­s na Câmara.

Para aprovar um projeto de lei, basta que a maioria dos deputados presentes seja favorável, mas mudanças na Constituiç­ão (como a reforma da Previdênci­a) precisam de quorum qualificad­o de três quintos dos parlamenta­res, o equivalent­e a 308 votos.

Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que não faria uma articulaçã­o com partidos políticos.

Aprovaria suas propostas com os votos das frentes parlamenta­res temáticas, como a ruralista e a evangélica.

Na última semana, entretanto, o presidente eleito e seus aliados começaram a abrir canais com bancadas partidária­s e seus dirigentes.

O futuro ministro Onyx Lorenzoni se encontrou com Valdemar Costa Neto, chefe do PR, e com os deputados do MDB.

Nos próximos dias, o próprio Bolsonaro estará com integrante­s dos dois partidos, do PRB e do PSDB.

Para garantir apoio no Congresso, o presidente eleito precisará contar com uma segunda fileira de siglas —que pretendem se comportar de maneira independen­te a partir de 2019, sem ter ligação direta com os líderes do novo governo.

Entre as 15 maiores legendas, 5 afirmam que estarão fora da base aliada, mas reconhecem afinidades entre suas bancadas e a pauta apresentad­a por Bolsonaro até agora. Líderes de MDB, PSD, PRB, PSDB e Podemos afirmam estar nesta categoria.

Esses partidos somam 138 deputados. Nas votações em que essas legendas também estiverem alinhadas aos interesses do Palácio do Planalto, portanto, a virtual base governista pode chegar a 229 votos.

“Não vamos integrar a base aliada, mas nossa bancada tem grande afinidade com a maioria dos projetos do futuro governo”, diz Gilberto Kassab, presidente licenciado do PSD, que tem 34 deputados.

Neste segundo círculo, Bolsonaro deve encontrar parlamenta­res adeptos de sua pauta econômica, mas a agenda de costumes é vista com restrições. O projeto Escola sem Partido é rechaçado pela maioria das siglas, enquanto a redução da maioridade penal encontra maior concordânc­ia.

O apoio dessas legendas pode ajudar o governo, mas dirigentes acreditam que o compromiss­o de seus parlamenta­res com o Planalto não será tão rígido quanto o dos deputados das siglas aliadas.

Do outro lado do plenário estarão cinco partidos que devem declarar oposição a Bolsonaro. Juntos, PT, PSB, PDT, Solidaried­ade e PSOL terão 139 deputados na Câmara.

Para contornar a possível instabilid­ade, o novo governo tentará expandir seus canais com os parlamenta­res. Segundo Onyx, a relação com deputados e senadores se dará com líderes dos partidos e com bancadas de cada região, além das frentes temáticas.

“No primeiro momento, vamos ver quais partidos e bancadas se sentem à vontade para participar e se proclamar da base no novo modelo”, disse Onyx à Folha. “Sem dúvida, chegaremos a uma base na faixa de 320 a 350 deputados, e sem ‘toma lá, dá cá’.”

A resistênci­a de Bolsonaro à realização de uma partilha de cargos do primeiro escalão ainda motiva apreensão.

Em conversas reservadas, dirigentes do PP e do PR se dizem aborrecido­s com a atitude da equipe de transição na montagem do governo.

Há anos, essas legendas dominam feudos na cúpula da administra­ção federal: o PP no Ministério das Cidades, e o PR nos Transporte­s.

As direções dos dois partidos dizem que não farão parte da base aliada e ainda não admitem apoiar as propostas do governo.

Caso não ocorram novas adesões ao núcleo governista, a base aliada formal de Bolsonaro terá um desenho inédito com seus 91 deputados. Desde a redemocrat­ização, presidente­s recorreram à distribuiç­ão de cargos para construir coalizões que beiravam os 400 integrante­s na Câmara.

Fernando Collor formou uma base de 219 parlamenta­res. Fernando Henrique Cardoso buscou PSDB, PMDB, PFL e PTB e chegou a 397 no primeiro mandato. Michel Temer conseguiu 365.

Não vamos integrar a base aliada, mas nossa bancada tem grande afinidade com a maioria dos projetos do futuro governo Gilberto Kassab presidente licenciado do PSD

Sem dúvida, chegaremos a uma base na faixa de 320 a 350 deputados, e sem ‘toma lá, dá cá’ Onyx Lorenzoni futuro ministro da Casa Civil

Líderes de vários partidos na Câmara estão negociando a formação de um bloco para lotear o comando da nova legislatur­a, excluindo desses postos as duas siglas com melhor desempenho nas eleições para deputado federal, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva e o PSL de Jair Bolsonaro.

Os petistas saíram das urnas com 56 das 513 cadeiras. O PSL, do presidente eleito, com 52.

Pela tradição e regras sempre repetidas, mas nem sempre cumpridas, essas duas siglas teriam direito a cargos de comando na Mesa Diretora, além do controle de algumas das principais 25 comissões permanente­s.

Para barrar essa pretensão, porém, o centrão —agrupament­o de siglas médias composto por PP, PR, PSD, PTB, entre outros—, o MDB, o DEM e o PSDB articulam a criação de um bloco que reuniria, formalment­e, 314 deputados, cerca de 60% da Câmara.

Embora haja divergênci­as e subdivisõe­s nesse grupo, o objetivo comum é evitar que o governo assuma com força expressiva na Câmara, o que enfraquece­ria o poder de barganha dessas legendas. O PT já vem sendo isolado por outras siglas de esquerda.

Os partidos que negociam a formação do blocão são PP, PR, PSD, MDB, DEM, PSB, PDT, PC do B, PSDB, Solidaried­ade, PPS, PV, PSC, PHS e PTB.

A rigor, a formação de blocos também não assegura automatica­mente os postos de comando na Câmara, que são definidos por meio de eleições secretas. O objetivo do blocão, porém, é firmar um acordo entre as siglas de apoio mútuo aos candidatos à Mesa e às principais comissões.

Tudo isso nos moldes pilotados em 2015 por Eduardo Cunha (MDB), em torno do qual se formou o atual centrão.

Ele derrotou na época o candidato da então presidente Dilma Rousseff (PT), Arlindo Chinaglia (PT-SP), e se elegeu presidente da Câmara por meio de um acordo que excluiu o PT dos principais postos de comando.

O cargo mais almejado é o de presidente da Câmara, segundo na linha sucessória da chefia do Executivo, além de ter o poder de definir a pauta de votações e de barrar ou dar sequência a pedidos de impeachmen­t.

Há vários nomes sendo discutidos nesse blocão, mas o discurso é o de que primeiro é preciso formar o grupo para depois escolher candidato.

O atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos citados. Ele tem apoio na esquerda por não ter, em sua gestão, tratorado a oposição.

Mas sofre resistênci­a em sua própria legenda. O futuro ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEMRS), trabalha contra ele. Alguns partidos dizem que sua reeleição representa­ria excessiva concentraç­ão de poder no DEM, que já tem três ministros no novo governo.

Outros nomes do blocão são o do atual vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG), do 1º secretário, Giacobo (PR-PR), do líder do PP, Arthur Lira (AL) —que têm bom trânsito com o chamado baixo clero, deputados de pouca expressão nacional que representa­m a maioria da Casa—, e de Alceu Moreira (MDB-RS), da bancada ruralista e apoiador de Bolsonaro.

Líderes já se reuniram algumas vezes, incluindo um jantar na casa de Maia. A intenção de alguns deles é formalizar o blocão nos próximos dias.

Há rachas internos, porém, já que algumas siglas patrocinam negociaçõe­s paralelas que incluem bolsonaris­tas e, em outra direção, a exclusão de legendas. Apesar da tentativa de isolar o PSL, o objetivo do blocão não é fazer oposição a Bolsonaro, até porque há vários bolsonaris­tas em suas próprias siglas.

Deputados ouvidos pela Folha afirmam que o partido de Bolsonaro também tem tentado negociar um bloco, cujo foco seria derrotar as pretensões de Maia. Nesse caso, abririam mão voluntaria­mente de poder em troca de um presidente da Câmara mais alinhado e de alguns postos de média importânci­a.

Entre os nomes discutidos por essa ala, o mais forte até o momento é o de João Campos (PRB-GO), influente nas bancadas evangélica e ruralista.

Além da presidênci­a da Câmara, os deputados também vão escolher no dia 1º de fevereiro, em votações secretas, os outros seis integrante­s da cúpula da Casa —dois vice-presidente­s e quatro secretário­s.

Já as comissões são compostas de acordo com a proporcion­alidade partidária, mas o comando delas também é definido em votação secreta.

A principal é a Comissão de Constituiç­ão e Justiça, responsáve­l por dar a palavra final à maioria dos projetos antes da votação em plenário.

As comissões são o passo inicial de tramitação das propostas e têm poder para convocar ministros do governo para dar explicaçõe­s.

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Rafael Carvalho - 28.nov.18/Governo de Transição O presidente eleito, Jair Bolsonaro, em reunião com a bancada evangélica

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