Jair Bolsonaro deverá ter base aliada instável no Congresso Nacional
Apenas 3 das 15 maiores legendas da Câmara deverão dar apoio formal a novo governo; outras dizem que vão ser independentes
“Estamos dispostos a contribuir com o país. Nosso apoio estará vinculado exclusivamente à concordância com a agenda que o governo terá para o país ACM Neto presidente do DEM
O critério de escolha de ministros e o modelo de articulação política adotado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), devem fazer com que o próximo governo entre em campo com uma coalizão instável no Congresso Nacional.
Metade dos principais partidos do país diz que pretende colaborar com o presidente eleito, mas só 3 das 15 maiores siglas da Câmara dos Deputados dizem estar dispostas a integrar oficialmente a base governista.
A relação entre esses partidos e o novo governo indica que Bolsonaro terá um núcleo enxuto de sustentação política.
Para aprovar projetos de seu interesse, o presidente eleito dependerá também de siglas que têm simpatia por sua agenda, mas permanecem em órbitas afastadas.
A Folha consultou os presidentes, dirigentes e líderes dos 15 maiores partidos da Câmara.
Além do PSL de Bolsonaro, apenas DEM e PTB discutem uma adesão formal à base aliada do próximo governo.
“Estamos dispostos a contribuir com o país. Nosso apoio estará vinculado exclusivamente à concordância com a agenda que o governo terá para o país”, afirma ACM Neto, presidente do DEM.
A sigla terá três ministros no governo Bolsonaro —Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde)—, embora a cúpula da legenda negue que tenha feito as indicações.
Juntas, as bancadas desses três partidos terão 91 integrantes na Câmara.
Para aprovar um projeto de lei, basta que a maioria dos deputados presentes seja favorável, mas mudanças na Constituição (como a reforma da Previdência) precisam de quorum qualificado de três quintos dos parlamentares, o equivalente a 308 votos.
Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que não faria uma articulação com partidos políticos.
Aprovaria suas propostas com os votos das frentes parlamentares temáticas, como a ruralista e a evangélica.
Na última semana, entretanto, o presidente eleito e seus aliados começaram a abrir canais com bancadas partidárias e seus dirigentes.
O futuro ministro Onyx Lorenzoni se encontrou com Valdemar Costa Neto, chefe do PR, e com os deputados do MDB.
Nos próximos dias, o próprio Bolsonaro estará com integrantes dos dois partidos, do PRB e do PSDB.
Para garantir apoio no Congresso, o presidente eleito precisará contar com uma segunda fileira de siglas —que pretendem se comportar de maneira independente a partir de 2019, sem ter ligação direta com os líderes do novo governo.
Entre as 15 maiores legendas, 5 afirmam que estarão fora da base aliada, mas reconhecem afinidades entre suas bancadas e a pauta apresentada por Bolsonaro até agora. Líderes de MDB, PSD, PRB, PSDB e Podemos afirmam estar nesta categoria.
Esses partidos somam 138 deputados. Nas votações em que essas legendas também estiverem alinhadas aos interesses do Palácio do Planalto, portanto, a virtual base governista pode chegar a 229 votos.
“Não vamos integrar a base aliada, mas nossa bancada tem grande afinidade com a maioria dos projetos do futuro governo”, diz Gilberto Kassab, presidente licenciado do PSD, que tem 34 deputados.
Neste segundo círculo, Bolsonaro deve encontrar parlamentares adeptos de sua pauta econômica, mas a agenda de costumes é vista com restrições. O projeto Escola sem Partido é rechaçado pela maioria das siglas, enquanto a redução da maioridade penal encontra maior concordância.
O apoio dessas legendas pode ajudar o governo, mas dirigentes acreditam que o compromisso de seus parlamentares com o Planalto não será tão rígido quanto o dos deputados das siglas aliadas.
Do outro lado do plenário estarão cinco partidos que devem declarar oposição a Bolsonaro. Juntos, PT, PSB, PDT, Solidariedade e PSOL terão 139 deputados na Câmara.
Para contornar a possível instabilidade, o novo governo tentará expandir seus canais com os parlamentares. Segundo Onyx, a relação com deputados e senadores se dará com líderes dos partidos e com bancadas de cada região, além das frentes temáticas.
“No primeiro momento, vamos ver quais partidos e bancadas se sentem à vontade para participar e se proclamar da base no novo modelo”, disse Onyx à Folha. “Sem dúvida, chegaremos a uma base na faixa de 320 a 350 deputados, e sem ‘toma lá, dá cá’.”
A resistência de Bolsonaro à realização de uma partilha de cargos do primeiro escalão ainda motiva apreensão.
Em conversas reservadas, dirigentes do PP e do PR se dizem aborrecidos com a atitude da equipe de transição na montagem do governo.
Há anos, essas legendas dominam feudos na cúpula da administração federal: o PP no Ministério das Cidades, e o PR nos Transportes.
As direções dos dois partidos dizem que não farão parte da base aliada e ainda não admitem apoiar as propostas do governo.
Caso não ocorram novas adesões ao núcleo governista, a base aliada formal de Bolsonaro terá um desenho inédito com seus 91 deputados. Desde a redemocratização, presidentes recorreram à distribuição de cargos para construir coalizões que beiravam os 400 integrantes na Câmara.
Fernando Collor formou uma base de 219 parlamentares. Fernando Henrique Cardoso buscou PSDB, PMDB, PFL e PTB e chegou a 397 no primeiro mandato. Michel Temer conseguiu 365.
Não vamos integrar a base aliada, mas nossa bancada tem grande afinidade com a maioria dos projetos do futuro governo Gilberto Kassab presidente licenciado do PSD
Sem dúvida, chegaremos a uma base na faixa de 320 a 350 deputados, e sem ‘toma lá, dá cá’ Onyx Lorenzoni futuro ministro da Casa Civil
Líderes de vários partidos na Câmara estão negociando a formação de um bloco para lotear o comando da nova legislatura, excluindo desses postos as duas siglas com melhor desempenho nas eleições para deputado federal, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva e o PSL de Jair Bolsonaro.
Os petistas saíram das urnas com 56 das 513 cadeiras. O PSL, do presidente eleito, com 52.
Pela tradição e regras sempre repetidas, mas nem sempre cumpridas, essas duas siglas teriam direito a cargos de comando na Mesa Diretora, além do controle de algumas das principais 25 comissões permanentes.
Para barrar essa pretensão, porém, o centrão —agrupamento de siglas médias composto por PP, PR, PSD, PTB, entre outros—, o MDB, o DEM e o PSDB articulam a criação de um bloco que reuniria, formalmente, 314 deputados, cerca de 60% da Câmara.
Embora haja divergências e subdivisões nesse grupo, o objetivo comum é evitar que o governo assuma com força expressiva na Câmara, o que enfraqueceria o poder de barganha dessas legendas. O PT já vem sendo isolado por outras siglas de esquerda.
Os partidos que negociam a formação do blocão são PP, PR, PSD, MDB, DEM, PSB, PDT, PC do B, PSDB, Solidariedade, PPS, PV, PSC, PHS e PTB.
A rigor, a formação de blocos também não assegura automaticamente os postos de comando na Câmara, que são definidos por meio de eleições secretas. O objetivo do blocão, porém, é firmar um acordo entre as siglas de apoio mútuo aos candidatos à Mesa e às principais comissões.
Tudo isso nos moldes pilotados em 2015 por Eduardo Cunha (MDB), em torno do qual se formou o atual centrão.
Ele derrotou na época o candidato da então presidente Dilma Rousseff (PT), Arlindo Chinaglia (PT-SP), e se elegeu presidente da Câmara por meio de um acordo que excluiu o PT dos principais postos de comando.
O cargo mais almejado é o de presidente da Câmara, segundo na linha sucessória da chefia do Executivo, além de ter o poder de definir a pauta de votações e de barrar ou dar sequência a pedidos de impeachment.
Há vários nomes sendo discutidos nesse blocão, mas o discurso é o de que primeiro é preciso formar o grupo para depois escolher candidato.
O atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos citados. Ele tem apoio na esquerda por não ter, em sua gestão, tratorado a oposição.
Mas sofre resistência em sua própria legenda. O futuro ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEMRS), trabalha contra ele. Alguns partidos dizem que sua reeleição representaria excessiva concentração de poder no DEM, que já tem três ministros no novo governo.
Outros nomes do blocão são o do atual vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG), do 1º secretário, Giacobo (PR-PR), do líder do PP, Arthur Lira (AL) —que têm bom trânsito com o chamado baixo clero, deputados de pouca expressão nacional que representam a maioria da Casa—, e de Alceu Moreira (MDB-RS), da bancada ruralista e apoiador de Bolsonaro.
Líderes já se reuniram algumas vezes, incluindo um jantar na casa de Maia. A intenção de alguns deles é formalizar o blocão nos próximos dias.
Há rachas internos, porém, já que algumas siglas patrocinam negociações paralelas que incluem bolsonaristas e, em outra direção, a exclusão de legendas. Apesar da tentativa de isolar o PSL, o objetivo do blocão não é fazer oposição a Bolsonaro, até porque há vários bolsonaristas em suas próprias siglas.
Deputados ouvidos pela Folha afirmam que o partido de Bolsonaro também tem tentado negociar um bloco, cujo foco seria derrotar as pretensões de Maia. Nesse caso, abririam mão voluntariamente de poder em troca de um presidente da Câmara mais alinhado e de alguns postos de média importância.
Entre os nomes discutidos por essa ala, o mais forte até o momento é o de João Campos (PRB-GO), influente nas bancadas evangélica e ruralista.
Além da presidência da Câmara, os deputados também vão escolher no dia 1º de fevereiro, em votações secretas, os outros seis integrantes da cúpula da Casa —dois vice-presidentes e quatro secretários.
Já as comissões são compostas de acordo com a proporcionalidade partidária, mas o comando delas também é definido em votação secreta.
A principal é a Comissão de Constituição e Justiça, responsável por dar a palavra final à maioria dos projetos antes da votação em plenário.
As comissões são o passo inicial de tramitação das propostas e têm poder para convocar ministros do governo para dar explicações.