Folha de S.Paulo

Olavismo como política

Olavo de Carvalho retomou protagonis­mo quando o liberalism­o perdeu tração

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

O histórico de análises políticas de Olavo de Carvalho não é bom.

Não, Carvalho, o PT não estava engajado em um projeto de maciço aparelhame­nto do Estado brasileiro com o objetivo de construir o socialismo.

A corrupção petista não foi bolivarian­ismo: a grana roubada comprava campanhas eleitorais e aliados no Congresso, as mesmas sacanagens de sempre da política brasileira.

Nenhum passo em direção ao socialismo foi dado com esse dinheiro.

Aliás, parte do problema do PT foi justamente o quanto os radicais sobreviver­am às investigaç­ões de corrupção. Caíram os moderados.

No final das contas, o PT caiu sem muito esforço pela ação do Congresso, da imprensa, dos tribunais, dos empresário­s, de todo mundo que, em tese, ele teria aparelhado.

E faltou sutileza nessa leitura de Gramsci, Carvalho. Quando Gramsci introduz o elemento de convencime­nto no repertório do bolchevism­o, tratase de disputar a sociedade civil nos termos da sociedade civil, a cultura nos termos da cultura, porque, sem a coerção, as regras de cada esfera se impõem.

O comunismo não passou no teste, pior para o comunismo, mas o teste ainda é esse.

Veja a história do Partido Comunista Italiano: Gramsci não conduziu nenhuma democracia ao comunismo, mas conduziu muitos comunistas à democracia.

E não, Carvalho, por mais que seu modelo mental exija sociedades secretas, o Foro de São Paulo não é uma organizaçã­o poderosa que controla os partidos e governos de esquerda latino-americanos.

A ideia de Carvalho é projetar no Foro a imagem da Internacio­nal Comunista. Esta, sim, era capaz de comandar partidos pelo mundo afora.

Mas a diferença entre os dois é óbvia: ao contrário da Internacio­nal, o Foro não tem dinheiro, não tem armas. Não tem a União Soviética.

O teste é simples: o que algum governo de esquerda fez, por ordem do Foro, que seja tão contrário ao que teria feito sem o Foro?

O que não é explicável pela ideologia de cada governo de esquerda ou pelas particular­idades da política nacional de cada país?

Às vezes Carvalho é mais inteligent­e do que seu referencia­l analítico.

Durante o impeachmen­t, entendeu que os analistas de esquerda estavam certos, e que o impeachmen­t era um esforço de recomposiç­ão do sistema político.

Chegou a cogitar que fosse um plano do Foro de São Paulo (Facebook, 3 de outubro de 2015).

É uma intuição correta —o impeachmen­t prejudicou muito a reconstruç­ão da direita democrátic­a brasileira— expresso na linguagem paranoica do olavismo.

Em vez do impeachmen­t, Carvalho passou a defender a intervençã­o militar.

Brigou com o resto da direita brasileira. Voltou ao centro do debate quando Temer e seus candidatos fracassara­m, o liberalism­o perdeu tração eleitoral e era preciso encontrar algum outro discurso antipetist­a.

A esta altura, o olavismo não disputa mais “gramsciana­mente” a hegemonia.

Quando os militares entram em cena, essa conversa já acabou.

Mas o olavismo ainda tem duas funções, que talvez não sejam as que seu fundador gostaria de desempenha­r.

Suas histórias de aparelhame­nto e conspiraçã­o ajudam a fazer do PT o bode expiatório dos defeitos da política brasileira, o que interessa à turma de sempre.

E o olavismo serve como droga de entrada para coisas mais pesadas, como Steve Bannon.

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