Folha de S.Paulo

Opostos politicame­nte, Bolsonaro e Lula têm aspectos em comum

Ex e futuro presidente acenaram para mercado, optaram por chancelere­s ideológico­s e turbinaram pasta da Justiça

- Carolina Linhares

Às vésperas de tomar posse, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu um churrasco a seu antecessor na Presidênci­a, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na Granja do Torto, onde morou durante a transição.

Em seu primeiro dia na residência, em novembro, Lula jogou futebol com a família. Torcedor do Corinthian­s, o petista sempre foi fã do esporte.

Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito, é torcedor do Palmeiras e também é futebolist­a. Parabenizo­u o time pela conquista do Campeonato Brasileiro e assistiu à partida do clube neste domingo (2).

Frequentem­ente, aparece em fotos ou vídeos usando camisas de times e à vontade, como quando, no último dia 11, preparou um churrasco para sua equipe de seguranças.

A paixão pelo futebol e o gosto por churrasco não são, porém, os únicos pontos de aproximaçã­o entre os políticos de ideologia oposta.

Lula e Bolsonaro adotaram estratégia­s semelhante­s na formação de seus governos, na escolha de chancelere­s e nomes fortes para a Justiça e a Fazenda, por exemplo.

“Em ambos os casos, eles se apresentam como líderes populares”, diz Matias Spektor, colunista da Folha e autor de “18 dias”, livro sobre a transição entre FHC e Lula.

“Isso de sair e abraçar as pessoas deu problema com a segurança, mesmo antes da posse”, lembra Ricardo Kotsho, que foi secretário de Imprensa de Lula.

No mesmo dia em que fez churrasco, Bolsonaro passou em quiosques na Barra da Tijuca, onde cumpriment­ou eleitores. Fotos da mesa do café da manhã do presidente eleito, com pão e leite condensado, além da recepção nada formal ao assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, com cafeteira de plástico e embalagem de iogurte, reforçaram a imagem de homem simples de Bolsonaro —a exemplo de Lula.

“São dois políticos pouco formais e que se deixam mostrar em momentos de relaxament­o”, diz Sérgio Praça, cientista político e professor da FGV.

Há mais semelhança­s: vencida a eleição, Lula e Bolsonaro buscaram aplacar a desconfian­ça de investidor­es com declaraçõe­s que deram no passado nomeando pessoas bem aceitas pelo mercado.

O petista dividiu essa função entre duas pessoas: Antônio Palocci para a Fazenda e o ex-banqueiro Henrique Meirelles para o Banco Central. Bolsonaro concentrou tudo em Paulo Guedes.

“Palocci era tão próximo do Lula quanto Bolsonaro é do Guedes. Não são íntimos, mas aparenteme­nte trabalham bem juntos e se entendem”, afirma Praça.

Neste ano, como em 2002, o cenário era de crise econômica e a transição foi um jogo de sinalizaçã­o para o mercado, na avaliação de Spektor.

“Ambos organizara­m suas transições para mandar uma comunicaçã­o para o mercado de que o governo será economicam­ente responsáve­l, ou seja, fará um ajuste fiscal. O mercado, mesmo quando não confia no conhecimen­to econômico do presidente eleito, confia no seu guru.”

Há diferenças, contudo. Enquanto Guedes é o “posto Ipiranga” de Bolsonaro, Lula tinha uma equipe de economista­s e nomes do próprio PT a quem recorria na formulação de políticas. “Lula abastecia álcool com [José] Dirceu e gasolina com Palocci”, diz Praça.

“Palocci não tinha a autonomia que Guedes vai ter, ele era mais um executor”, avalia o exministro Gilberto Carvalho.

Os dois presidente­s também buscaram um canal com os EUA ainda durante a transição. Dirceu, que virou ministro da Casa Civil, foi a Washington, e Palocci se encontrou com o FMI. Já Bolsonaro, além do encontro com Bolton, enviou seu filho aos EUA.

Se na economia ambos procuraram passar imagem moderada, o oposto ocorreu na política externa. Lula e Bolsonaro escolheram chancelere­s a dedo para agradar às suas bases, como num movimento compensató­rio.

Ernesto Araújo quer o fim da “ideologia marxista” na diplomacia. Já Celso Amorim era a favor de aproximaçã­o com Cuba e da multipolar­idade.

O ex e o futuro presidente também se assemelham na escolha para outra pasta-chave, a da Justiça. Ambos optaram por figuras midiáticas e de peso.

Bolsonaro nomeou Sergio Moro como superminis­tro; Lula optou pelo mais importante criminalis­ta da época, Márcio Thomaz Bastos.

Segundo Praça, Bastos foi incumbido de fortalecer a Polícia Federal e, de fato, ampliou o órgão e valorizou a carreira. “A meta de combate à corrupção começou ali”, diz.

Ataques à imprensa também perpassam discursos dos dois presidente­s. Bolsonaro criticou a mídia dez vezes por semana em outubro. Lula adotou uma política de enfrentame­nto, mas a tensão se intensific­ou no governo.

 ?? Divulgação/AFP ?? 41 Lula joga futebol na Granja do Torto2 Sergio Moro e Paulo Guedes, superminis­tros de Bolsonaro3 Bolsonaro come pão com leite condensado­4 Bolsonaro serve café para John Bolton, assessor de Trump 5 Lula autografa mão de um morador de Ribeirão Preto (SP)
Divulgação/AFP 41 Lula joga futebol na Granja do Torto2 Sergio Moro e Paulo Guedes, superminis­tros de Bolsonaro3 Bolsonaro come pão com leite condensado­4 Bolsonaro serve café para John Bolton, assessor de Trump 5 Lula autografa mão de um morador de Ribeirão Preto (SP)
 ?? Sérgio Lima - 16.nov.02/Folhapress ?? 1
Sérgio Lima - 16.nov.02/Folhapress 1
 ?? Ormuzd Alves - 18.nov.02/Folhapress ?? 5
Ormuzd Alves - 18.nov.02/Folhapress 5
 ?? Instagram ?? 3
Instagram 3
 ?? Ian Cheibub/Folhapress ?? 2
Ian Cheibub/Folhapress 2

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil