Folha de S.Paulo

Guarda-roupa se pretende retrato diplomátic­o em meio a ebulição

- Pedro Diniz

Encontros de chefes de Estado como o do G20, na Argentina, são termômetro­s dos humores entre as nações. Um aperto de mão mais efusivo, como o que o russo Vladimir Putin dispensou ao príncipe saudita Mohammed bin Salman, ou os conjuntos elétricos de uma Theresa May empenhada em se fazer notar revelam mais do que a agenda de reuniões montadas para a foto.

O oceano de gravatas azuis, profundos como o tailleur roxo azulado da primeira-ministra britânica, homenagear­am o anfitrião da noite, o presidente Mauricio Macri, na foto oficial do encontro.

Não fosse a gravata vermelho berrante de Donald Trump, grossa e com ponta abaixo da cintura, dois resquícios mal acabados do uniforme “yuppie” americano, o registro poderia até dissipar a névoa incômoda impressa nos números catastrófi­cos da economia local.

Se Angela Merkel apagou a presença alemã na foto oficial porque não chegou a tempo para o retrato, acendeu a luz vermelha nos encontros indigestos com Putin e Trump no sábado (1º), nos quais contrastou a polidez dos sorrisos com a imagem vivaz do vermelho de seu blazer.

May também jogou panos quentes naquele dia, optando por usar um laranja coral, meio vermelho, que poderia ser lido como o momento meio lá, meio cá do Reino Unido às vésperas do “brexit”.

Os ritos diplomátic­os mais evidentes, como é de praxe nesses convescote­s da política dita pluralista, partiram das primeiras-damas. A americana Melania Trump e a argentina Juliana Awada foram dois contrapeso­s importante­s em meio à euforia imagética do guarda-roupa ocidental.

Para contrastar a retórica passiva agressiva do marido, Melania desembarco­u em Buenos Aires, na sexta (30), trajada com o que parecia uma homenagem pessoal ao país.

O casaco de couro marrom da Ralph Lauren, combinada a uma saia branca do mesmo material e escarpins Manolo Blahnik com estampa de vaca pareciam uma caricatura idealizada da pecuária argentina.

No encontro a sós com Juliana, Melania usou um vestido florido da coleção de outono-inverno 2018/2019 da grife italiana Gucci. É curioso, ainda que não surpreende­nte devido ao reconhecid­o tino irônico do guarda-roupa da exmodelo, que a peça escolhida guarde mensagens subliminar­es sobre a ocasião.

A coleção do vestido de Melania ficou famosa na moda, no início deste ano, por versar sobre a anarquia. Desfilada na semana de moda de Milão, as roupas expõem um futuro pós-apocalípti­co onde humanoides dominam um mundo despedaçad­o e a sociedade americana subjuga culturas.

Juliana parecia prever comparaçõe­s entre elas e tratou de hastear a bandeira branca no encontro. O vestido de silhueta helênica em tom “off-white” balanceou a explosão de cores impressa na foto oficial das primeiras-damas.

A argentina, aliás, encarnou o personagem de cabide da costura nacional, papel que a indústria americana sonhava um dia encontrar nas escolhas de Melania, que pretere os designers de seu país em detrimento de grifes italianas.

Vestidos e acessórios de marcas portenhas como Evangelina Bomparola, Javier Saiach, Ricky Sarkany e Ménage a Trois, foram combinadas por Juliana a bolsas da francesa Chanel, usada no encontro com a primeira-dama francesa Brigitte Macron, e da italiana Bottega Veneta. Escolhas sóbrias e diplomátic­as que resumiram o espírito inclusivo de fachada desse G20.

 ?? Fotos Ludovic Marin/AFP ?? Trump de paletó aberto ao tirar a foto oficial do G20, Juliana Awada com vestido helênico, Melania veste Ralph Lauren e Merkel usa blazer vermelho vivo
Fotos Ludovic Marin/AFP Trump de paletó aberto ao tirar a foto oficial do G20, Juliana Awada com vestido helênico, Melania veste Ralph Lauren e Merkel usa blazer vermelho vivo
 ?? Pablo Martinez Monsivais/Associated Press ??
Pablo Martinez Monsivais/Associated Press
 ?? Pilar Olivares/Reuters ??
Pilar Olivares/Reuters

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil