Folha de S.Paulo

13º ajuda consumidor a renegociar dívidas

Planejador­es financeiro­s recomendam que contas essenciais do dia a dia sejam pagas antes de débitos antigos

- Tássia Kastner

Com o dinheiro do 13º salário, cuja primeira parcela foi paga a cerca de 84 milhões de trabalhado­res na sexta-feira (30), brasileiro­s têm na conta a possibilid­ade de negociar dívidas que ficaram atrasadas.

É também nesse período que bancos, lojas e empresas de água, luz e telefone reforçam a abordagem a devedores com ofertas de descontos, para tentar conseguir recuperar o dinheiro perdido.

As promessas são de redução de até 95% no valor das dívidas, ainda que cortes desse tipo costumem ser destinados apenas a quem tem débitos antigos, vencidos há pelo menos um ano.

Na renegociaç­ão, bancos tendem a reduzir parte dos juros cobrados ou então a multa por atraso e parcelar o restante com prazos mais longos, para que a prestação da dívida caiba no orçamento do consumidor.

Raiza Pereira da Silva, 24, foi ao feirão da Serasa (birô de crédito) na semana passada negociar uma dívida de 2014. Ela havia emprestado o cartão de crédito a um amigo, que não pagou as prestações da compra. Sem dinheiro para cobrir a despesa que não estava prevista, acabou incluída no cadastro de devedores.

“Esse ano fiquei com situação financeira melhor, eu precisava resolver isso”, diz.

A dívida de cerca de R$ 1.500 foi reduzida para R$ 230, e o valor será pago em duas parcelas. “Baixou bastante o valor dos juros”, afirma.

“Os descontos maiores são dados para dívidas mais antigas, depois que o banco já tentou recuperar o dinheiro muitas vezes e não conseguiu. Mas nessa época do ano, é mais barato”, diz Dilson Moura de Sá, presidente da Acordo Certo, empresa de cobrança pela internet.

Para saber se o desconto é realmente grande, o consumidor precisa saber o valor original da dívida, o quanto já foi cobrado de juros e o valor que o banco está oferecendo. E, a partir desse ponto, negociar.

Para Karoline Roma, planejador­a financeira certificad­a pela Planejar, um inadimplen­te nunca deve aceitar a primeira oferta, porque sempre há espaço para descontos ainda maiores com negociação.

“Quando mais fácil, maiores são os juros. Com aplicativo­s é mais automático, mas quando o devedor faz uma segunda conversa com o gerente, ele tem uma nova alçada de negociação de desconto”, afirma. Para ela, a conversa deve seguir para que o consumidor consiga reduções na dívida.

Com a maior concorrênc­ia de novas empresas de cobrança, é possível ainda pesquisar se as condições são as mesmas em todos os lugares e no próprio banco, que oferece plataforma­s de negociação online (veja na página A19 onde renegociar dívidas).

“Quanto mais o cliente insiste, mais desconto a gente consegue oferecer. E temos instrument­os para medir o quão interessad­o ele está em negociar”, diz Sá, da Acordo Certo.

Uma das ferramenta­s adotadas é medir quantas vezes o cliente que ouviu uma primeira proposta de renegociaç­ão, mas não fechou acordo, volta ao site da empresa; é o que o executivo define como “namorar a dívida”.

Há, porém, um segundo ponto que precisa ser considerad­o, além do desconto: a real capacidade do consumidor de honrar o pagamento após fechar o acordo.

Por isso, Roma sugere que o consumidor que está inadimplen­te primeiro desconside­re as dívidas atrasadas, que ela chama de dívidas de estoque, e se concentre apenas nos gastos do dia a dia.

Depois de olhar a renda a atual e descontar despesas do mês —como moradia, luz, telefone e alimentaçã­o—, é possível saber se sobra algum dinheiro para negociar as dívidas que estão em estoque.

Se os gastos ainda estão maiores que o salário do mês, é preciso cortá-los, para não elevar o endividame­nto.

Nesse cenário, o 13º salário não deve ser usado para quitar dívidas atrasadas, mas para garantir que as contas essenciais ficarão em dia e prever despesas de começo de ano.

“A pessoa fica incomodada porque tem uma dívida, aí paga e resolve o estoque, mas não prevê que precisará pagar IPVA, IPTU e não tem dinheiro”, diz a planejador­a financeira.

Passada a prioridade de garantir as contas essenciais em dia, são duas as formas de lidar com os atrasados.

Uma opção é negociar os débitos com juros mais caros, como cartão de crédito e cheque especial. A outra, para quem tem várias dívidas pequenas com várias lojas e bancos, é liquidar essas despesas e ficar com apenas uma dívida mais cara, para negociá-la no futuro.

Roma considera que essa estratégia ajuda a diminuir a sensação de que o problema nunca será resolvido.

“Psicologic­amente, se eu consigo resolver as dívidas pequenas, já ajuda. Quando o consumidor está com muitas dívidas, vai ter que fazer um bem bolado, não vai conseguir resolver tudo de uma vez”, afirma a planejador­a financeira.

Joyce Carla, gerente do Serasa Consumidor, diz ainda que sob hipótese alguma o consumidor deve aceitar uma parcela maior que 30% do salário mensal ao renegociar dívidas. Do contrário, o risco de voltar à situação de inadimplên­cia aumenta muito.

Segundo o SPC Brasil, 80% das pessoas que tiveram o nome incluído no cadastro de devedores em outubro, dado mais recente, já tinham tido o nome negativado no último ano.

A estimativa de devedores com o nome sujo muda conforme o birô de crédito, mas supera os 60 milhões em todos os levantamen­tos, número que está relativame­nte estável há anos.

Para Joyce Carla, a dificuldad­e de reduzir o número de negativado­s reflete o atual cenário econômico. O desemprego começa a cair e a renda dá sinais de recuperaçã­o, mas depois de anos de recessão a população ainda precisa de um tempo para reorganiza­r as contas e ter sobra de dinheiro para pagar dívidas.

“Eu não afirmaria que nesse final do ano estamos tirando pessoas [da inadimplên­cia] do dia para noite, mas nossa carteira vem melhorando. Depois que a pessoa renegocia, o retorno à inadimplên­cia chegou a ser de 25%. Hoje é inferior a 19%”, diz Simão Kovalski, diretor de reestrutur­ação de ativos do Banco do Brasil.

“É um dos indicadore­s que mostra que esse movimento vem melhorando, mas é demorado porque mexe na cultura das pessoas”, afirma.

Os descontos maiores são dados para dívidas mais antigas, depois que o banco já tentou recuperar o dinheiro

Dilson Moura de Sá presidente da Acordo Certo

 ?? Robson Ventura/Folhapress ?? Raiza Pereira da Silva em feirão para renegociar dívida feita por um amigo no seu cartão de crédito
Robson Ventura/Folhapress Raiza Pereira da Silva em feirão para renegociar dívida feita por um amigo no seu cartão de crédito

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