Folha de S.Paulo

Futuro ambiental projetado para país esbarra em ideias de Jair Bolsonaro

- Phillippe Watanabe

Desmatamen­to zero, código florestal com implementa­ção avançada e agropecuár­ia de baixo carbono, ou seja, que não agrava o aqueciment­o global. Esse cenário faz parte da visão de um grupo de organizaçõ­es agropecuár­ias e ambientali­stas para as próximas décadas no Brasil.

Em contraste com o panorama, a desistênci­a do país de sediar em 2019 a COP-25, conferênci­a da ONU sobre o clima —decisão que teve participaç­ão do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL)—, causa preocupaçã­o em grupos como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultur­a, que congrega 180 entidades acadêmicas, ambientali­stas e do agronegóci­o.

Nesta segunda (3), em paralelo ao início da primeira semana de trabalhos na COP-24, na Polônia, a Coalizão lança um documento (“Visão 20302050 - O Futuro das Florestas e da Agricultur­a no Brasil”) que visa fomentar o debate sobre o uso da terra no Brasil.

“No século 21, produção agropecuár­ia e conservaçã­o ambiental devem andar juntas, lado a lado”, diz o documento, segundo o qual a atividade agropecuár­ia, mesmo sendo a maior emissora brasileira de gases-estufa, pode contribuir para redução das emissões nacionais e até mesmo para a captura de carbono.

Isso poderia ser feito com manejo de áreas degradadas ou subutiliza­das, em vez do avanço de pastagens sobre áreas de floresta.

Após a assinatura do protocolo de Kyoto, primeiro pacto para redução de emissões, em cerca de 15 anos, a Europa movimentou mais de R$ 1,5 trilhão no mercado de carbono.

“Eles criaram um esquema de trocas de crédito e comerciali­zação de carbono que permitiu alavancar investimen­tos para modernizar sistemas produtivos que tinham altas taxas de emissão”, diz André Guimarães, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e integrante da Coalizão. Para ele, nos próximos anos deve haver atenção especial a esse mercado.

As sinalizaçõ­es de Bolsonaro, como as ameaças de deixar o Acordo de Paris, preocupam o setor agropecuár­io.

O presidente eleito tem dito que o acordo é uma ingerência estrangeir­a no país, especialme­nte no controle da Amazônia. Questionad­o sobre quais cláusulas afetariam a soberania nacional, o candidato disse em outubro que se tratavam de coisas “nos bastidores”.

“O Brasil fez um esforço na questão do clima, temos compromiss­os que fizemos em Paris. Se virarmos as costas para isso, mandamos um sinal muito ruim para o exterior e também internamen­te”, diz Luiz Cornacchio­ni, da Associação Brasileira do Agronegóci­o (Abag), também integrante da Coalizão Brasil. “Não deveríamos trazer essa conta para nós. Vai ficar cara.”

O diretor da Abag diz que a sustentabi­lidade é uma demanda do mercado mundial e que o agronegóci­o brasileiro não avançará sem esse componente. “Se você sacar essa variável, a equação não fecha.”

Guimarães afirma que, nos próximos meses, espera haver maior diálogo entre as organizaçõ­es e o governo eleito.

É praxe que COPs sejam realizadas em diferentes regiões do mundo e cabe a um país da América Latina e Caribe a sede em 2019. O Brasil anunciou sua candidatur­a há um ano, na COP-23. O anúncio da próxima sede deve acontecer no fim do evento na Polônia.

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