Folha de S.Paulo

Folha joga nova luz sobre o WhatsApp nas eleições. Há ainda muito a esclarecer

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

Reportagem na Folha, no último domingo, jogou nova luz sobre o papel do WhatsApp nas eleições de outubro. As informaçõe­s reveladas são tão dispersas e fragmentad­as que vale a pena um esforço de síntese sobre o que já se sabe.

Aparenteme­nte, as campanhas usaram o aplicativo de três maneiras diferentes: por meio do envio de mensagens diretas em massa; por meio de propaganda em grupos formados compulsori­amente com usuários demografic­amente segmentado­s; finalmente, por meio de propaganda distribuíd­a em grupos de família e amigos.

O uso mais controvers­o foi o primeiro, o envio de mensagens diretas. Sua relevância se deve menos a seu impacto nas eleições do que às questões envolvendo a sua legalidade.

Ao que tudo indica, as campanhas compraram ilegalment­e bases de dados de empresas financeira­s ou de telecomuni­cações contendo números de celulares e informaçõe­s demográfic­as de milhões de usuários (sexo, idade, residência etc.).

O uso de bases de dados de terceiros é expressame­nte proibido pela lei e é um dos pontos mais importante­s nas investigaç­ões da Justiça Eleitoral.

Embora estivesse desprepara­da para enfrentar a crise — em parte porque a centralida­de do uso do aplicativo em eleições era inédita, em parte porque o aplicativo estava com um quadro diretor recém-contratado—, a empresa conseguiu bloquear “centenas de milhares de contas” utilizando estratégia­s antispam que já estavam em curso.

Isso significa que as operações de disparo em massa foram de grande envergadur­a. Reportagem anterior da Folha indica que uma parte dos números utilizados para fazer os disparos foi comprada no exterior, para contornar a exigência de registro de CPF, requerido no Brasil. Com a reportagem de domingo, descobrimo­s que também foram utilizados números do país, registrado­s em CPFs de idosos, à sua revelia.

Nos dois casos, a utilização de milhares de números exige uma logística gigantesca de aquisição, registro e operação —descartand­o e recomeçand­o com outro número após o bloqueio. Isso talvez explique o alto valor dos disparos, vendidos no mercado por cerca de R$ 0,10 cada um (R$ 100 mil para um milhão de eleitores).

Chama a atenção o custo da operação em relação à utilidade. Mensagens de spam têm baixa eficácia e não parecem justificar o investimen­to.

Pode ser que os disparos tenham sido espalhados em campanhas segmentada­s menores, a um custo mais baixo; pode ser também que não fossem para fazer propaganda positiva, mas para semear desinforma­ção; pode ser ainda que fossem apenas uma ação complement­ar a outras estratégia­s.

Há ainda muito a esclarecer.

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