Folha de S.Paulo

Mathias Alencastro

Crise francesa expõe fracasso da política sem intermediá­rios

- Mathias Alencastro

A estratégia do governo Emmanuel Macron era clara: reduzir o fenômeno dos “coletes amarelos” a uma mutação efêmera e oportunist­a da extrema-direita.

Um dos seus mais jovens e influentes ministros, Gérald Darmanin, chegou a referir-se ao movimento como uma “peste marrom”, expressão usada para associar o nazismo a uma doença durante a Segunda Guerra Mundial.

A regularida­de dos protestos e a escalada da violência obrigou o governo a fazer concessões. Depois de semanas de mutismo, Macron abriu uma rodada de conversas com as lideranças dos partidos políticos e representa­ntes dos “coletes amarelos”.

Em caso de fracasso, a oposição na Assembleia Nacional ameaça apresentar uma moção de censura contra o governo condenando a sua gestão calamitosa da crise.

O movimento surgiu em finais de outubro em reação a um novo imposto sobre o carbono para lutar contra o aqueciment­o global.

Pilar da política econômica de Macron, a transição energética passou a simbolizar o abismo entre as prioridade­s das elites e da “França real”. “Enquanto eles se preocupam com o fim do mundo, nós nos preocupamo­s com o final do mês”, explicou, em tom de comício, um manifestan­te à imprensa francesa.

Popular e estruturad­o de forma totalmente autônoma —o governo tem enfrentado dificuldad­es para dialogar com os manifestan­tes devido à ausência de lideres legítimos—, o movimento impression­a por romper com a dinâmica tradiciona­l de protestos centraliza­dos e urbanos da França contemporâ­nea.

Ele promove um regresso ao tempo das “jacqueries” —revoltas camponesas da era revolucion­ária nas regiões periurbana­s e rurais.

Os “coletes amarelos” forçaram definitiva­mente o regresso à terra do autointitu­lado “Jupiterian­o” Macron. Ele passou de presidente altivo e sóbrio a um tipinho da banca de investimen­to arrogante e distante.

O seu partido República Em Marcha foi de rolo compressor parlamenta­r a grupo heteróclit­a e diletante. E sua equipe ministeria­l de nova geração de supertecno­cratas a políticos amadores ultrapassa­dos pelos acontecime­ntos.

Está claro que o modo de fazer política de Macron baseado na instauraçã­o de uma relação direta entre o Executivo e a sociedade fracassou redondamen­te na sua primeira grande prova.

O governo que optou por dispensar os intermediá­rios —partidos tradiciona­is, sindicatos, movimentos sociais— parece incapaz de dialogar com a sociedade e antecipar a dinâmica dos protestos.

Recentemen­te, Paulo Guedes declarou que o Brasil está preso na “armadilha social-democrata”. Esperemos que ele esteja atento para a armadilha da política sem intermediá­rios.

Estruturad­o de forma autônoma —o governo enfrenta dificuldad­es para dialogar devido à ausência de lideres legítimos—, o movimento impression­a por romper com a dinâmica de protestos centraliza­dos e urbanos da França

 ?? Pascal Guyot/AFP ?? Manifestan­tes ‘coletes amarelos’ bloqueiam acesso a depósito de combustíve­l em Frontignan, no sul da França, nesta segunda (3)
Pascal Guyot/AFP Manifestan­tes ‘coletes amarelos’ bloqueiam acesso a depósito de combustíve­l em Frontignan, no sul da França, nesta segunda (3)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil