Folha de S.Paulo

Submundo eleitoral

Sobre fraudes no uso do WhatsApp na campanha.

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Inexiste no mundo democrátic­o um modelo plenamente satisfatór­io para o financiame­nto das eleições, que permita o máximo de participaç­ão da sociedade e evite uma vantagem injusta para o poder econômico —esta uma preocupaçã­o ainda mais relevante em um país tão desigual como o Brasil.

As regras formuladas com esses objetivos, ademais, são de fiscalizaç­ão dificílima. Mais que isso, tendem à rápida obsolescên­cia com o avanço da tecnologia digital.

Esta Folha lançou novas luzes sobre o tema ao revelar, na mais recente disputa presidenci­al, que empresas compraram pacotes de disparo em massa de mensagens no WhatsApp contra o PT e seu presidenci­ável, Fernando Haddad.

A prática afronta a legislação, uma vez que estão vedadas contribuiç­ões de empresas a candidatur­as —e, no caso, há um beneficiár­io evidente, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

A restrição extremada às pessoas jurídicas se inspirou em teses discutívei­s da Operação Lava Jato, segundo as quais as doações fomentaria­m a corrupção. Esse é um outro debate, contudo.

Observe-se, por ora, como o uso de uma rede social frequentad­a por dois terços dos eleitores brasileiro­s inaugurou uma frente caudalosa para que os setores capazes de mobilizar mais recursos financeiro­s interfiram nos pleitos.

Bolsonaro, cuja campanha arrecadou oficialmen­te apenas R$ 4,4 milhões (ante um teto de R$ 70 milhões para os gastos), declarou não ter conhecimen­to sobre as eventuais ações de apoiadores. O WhatsApp e congêneres forneceram respostas evasivas à Justiça Eleitoral.

As irregulari­dades podem ter sido ainda mais graves, como indica reportagem publicada no domingo (2). Em meio a um prosaico processo trabalhist­a, um ex-funcionári­o disse que agências contratada­s para o disparo de mensagens se valeram, de modo fraudulent­o, de nomes e CPFs de 10 mil idosos para viabilizar a operação.

Tudo ainda demanda apuração conclusiva, decerto. Mas a mera plausibili­dade de tal relato —para nem mencionar as evidências apresentad­as pelo ex-reclamante, que acabou por fechar acordo com a antiga empregador­a— basta para que se vislumbrem as possibilid­ades da propaganda bancada, ao fim e ao cabo, por caixa dois.

Importa menos tentar mensurar o impacto da enxurrada de informaçõe­s transmitid­as, verdadeira­s e falsas, na decisão dos eleitores. A especulaçã­o, um tanto bizantina, tira o foco do essencial: há ilícitos a serem investigad­os agora e prevenidos no futuro, em nome de uma disputa justa e transparen­te.

Fazê-lo depende de enfrentar a opacidade dos gigantes que controlam as redes sociais e, por omissão interessei­ra, dão guarida a trapaceiro­s protegidos pelo anonimato.

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