Folha de S.Paulo

Escola encara novo sistema e problemas de sempre

Folha segue professore­s municipais ao longo de 2018 para ver cotidiano em colégios públicos Turma de 2º ano chega a ter três trocas de docentes Currículo paulistano é um laboratóri­o para o país

- Fábio Takahashi Fotos Lalo de Almeida/Folhapress

A partir de 2019, escolas públicas e particular­es do fundamenta­l começam a alinhar currículos, uma regra federal. Em São Paulo, a prefeitura fez a mudança já neste ano, a qual Fábio Takahashi acompanhou nas escolas. Constatou de elogios ao sistema a deformidad­es estruturai­s, como a alta rotativida­de de profission­ais.

A partir do ano que vem, todas as escolas públicas e particular­es de ensino fundamenta­l do Brasil terão de começar a alinhar seus currículos, impõe regra federal. É uma das principais apostas de gestores e educadores para tirar o país das últimas posições em exames internacio­nais. Uma amostra de como será esse processo pode ser visto nos colégios da prefeitura paulistana, que iniciou a mudança já no início deste 2018. A reportagem acompanhou essa implementa­ção por meio de visitas às escolas e dezenas de entrevista­s, que expuseram problemas estruturai­s como instabilid­ade no corpo docente e falta de capacitaçã­o. A professora Viviane Vizzioli, 49, foi recebida em sua sala de aula, numa tarde de outubro, com um grande coração desenhado na lousa, feito por seus estudantes do 2º ano B. Na casa dos sete anos de idade, eles haviam também trazido brigadeiro­s para ela e deixado a mensagem: “Desculpa professora Viviane por ontem”.

Aqueles alunos da escola municipal Pedro Aleixo, na periferia da zona leste de São Paulo, descumprir­am no dia anterior os pedidos da professora para que terminasse­m seus desenhos.

“Depois de tantas quebras, eles ficaram mal por terem me desapontad­o”, contou a professora. Ela foi a terceira docente a assumir a turma naquele ano letivo, devido à licença-maternidad­e da primeira titular.

Como a legislação exige que só se abra o processo de substituiç­ão após o afastament­o da regente, uma segunda professora, de outra unidade, ficou com a turma temporaria­mente até Viviane chegar.

Viviane mostrava preocupaçã­o. A turma, vista na escola como bem comportada e engajada, estava atrasada devido às mudanças de professore­s. Os alunos ali são filhos de cozinheira, taxista, vigilante e de outros professore­s.

Quatro das 30 crianças desse 2º ano mal haviam aprendido as sílabas, sendo que o esperado era que já estivessem ao menos próximos de estarem alfabetiza­das, lendo histórias em quadrinhos ou manchetes de jornal.

Em novembro Viviane sofreu AVC, menos de dois meses após assumir a classe. Chegou a ficar internada, mas morreu dias depois. Um quarto professor terminará o ano letivo da turma.

Ao longo deste 2018, a Folha acompanhou essa turma e outros professore­s e gestores da rede de ensino sob a gestão dos prefeitos João Doria e Bruno Covas (ambos do PSDB). Foram mais de 40 entrevista­s, além de visitas rotineiras às escolas.

O principal objetivo foi acompanhar a implementa­ção de novidade no sistema. As escolas começaram um novo currículo escolar, que é o guia do que deve ser ensinado a cada aluno.

Este 2018 foi uma espécie de laboratóri­o do que deve ocorrer agora em todo o país. Norma federal exige que a partir do ano que vem as escolas fundamenta­is públicas e particular­es do país comecem a alinhar seus currículos.

A rede municipal de São Paulo, que possui quase meio milhão de alunos nessa etapa, foi a primeira a adotar os novos padrões.

O documento nacional norteador, chamado Base Nacional Comum Curricular, foi discutido e aprovado durante os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

O documento traz alta expectativ­a. É visto por gestores e especialis­tas como uma das principais medidas para melhorar o ensino do país, onde 70% dos alunos se formam no ensino básico, aos 17 anos de idade, sem o conhecimen­to esperado em português.

Espera-se com o novo padrão curricular que a formação dos professore­s melhore ao longo dos próximos anos, pois as faculdades de educação poderão construir seus cursos em cima dessa base.

Os materiais didáticos também tendem a melhorar, por agora estar mais claro o que devem conter.

Mas um dos principais objetivos é deixar explícito o que cada um dos 48 milhões de estudantes no país devam saber ao fim de cada série.

Parte das redes de ensino já possuem currículos próprios. Mas cada um pode ter seus próprios objetivos e metas.

Padroniza-se agora, por exemplo, que as crianças devam estar alfabetiza­das até o fim do 2º ano, na casa dos sete ou oito anos de idade. Até então, a meta federal indicava que o limite fosse um ano mais tarde.

Ao longo de 2018, a reportagem ouviu elogios para o novo currículo municipal, tido como moderno por propor que o aluno busque ativamente o conhecimen­to e não fique apenas esperando o professor ditá-lo. O material didático fornecido foi visto como eficiente.

Por outro lado, há reclamaçõe­s sobre a estrutura para implementa­ção do documento, como falta de formação para os docentes e atraso na entrega dos materiais.

Também foram verificado­s problemas estruturai­s que dificultam a adoção de uma política como essa. A rotativida­de de professore­s e diretores é algo que salta aos olhos.

Todas as manhãs, o assistente da direção da escola Pedro Aleixo, Clayton Ribeiro da Silva, 42, vai à sala de professore­s checar quem está presente. Carrega um papel com dezenas de quadradinh­os impressos, cada um representa­ndo uma aula a ser dada.

O colégio é um dos melhores da rede pública da zona leste da cidade e tem notas acima da média do sistema municipal.

Clayton pinta de laranja os quadradinh­os em que o respectivo professor não compareceu. E sai à procura de quem pode cobrir a ausência.

No 3º bimestre, a pedido da Folha, Clayton contou quantos quadradinh­os haviam sido pintados. Das 5.112 aulas a serem dadas pela manhã, 30% tiveram de ser substituíd­as e 3% ficaram sem qualquer docente. Em bimestres melhores, o número de trocas cai para 20%.

Em muitos casos, o substituto disponível não é da área do professor faltante. Assim, em aulas de história e português, por exemplo, entrou um professor de geografia. Era o que estava disponível.

O substituto pode tanto improvisar a disciplina referente à aula original quanto usá-la para sua própria especialid­ade. E perde-se um dia das outras matérias.

Quando não havia mais alternativ­as, até a diretora, Suemi Inokawa, 57, originalme­nte professora de história, deu aula de ciências para um 9º ano (estudantes na casa dos 14 anos de idade).

As ausências acontecem por diversos motivos. Professore­s podem faltar até 10 dos 200 dias letivos, sem que haja desconto no salário (basta a justificat­iva ser aceita pelo superior). É prerrogati­va presente na legislação municipal desde 1979.

Há também ausências de maior prazo. São 11 tipos de licenças previstas, como para “tratar de assuntos particular­es”, médica ou para acompanhar familiar doente. Pesquisas apontam que essas concessões foram dadas para compensar o desgastant­e trabalho dos professore­s.

“Em qual profissão ou empresa há tantas faltas assim? Por que na educação pode?”, reclamou a diretora Suemi.

Existem ainda aposentado­rias de docentes e de diretores, que deixam o posto com o ano letivo em curso. Alguns profission­ais vão cobrir esses buracos abertos, que também podem aparecer devido à abertura de unidades. E abrem-se novos buracos, agora na escola de origem do profission­al.

Foi o caso de um professor de matemática da Pedro Aleixo, que deixou o posto em outubro para assumir a direção de uma unidade de ensino infantil. O 6º ano A ficou sem especialis­ta na área.

É um sistema que dá garantias aos educadores, para ausências ou para mobilidade profission­al. Mas prejudica a continuida­de dos trabalhos com os estudantes.

Levantamen­to feito pela Folha com base na folha de pagamento da rede mostra que 20% dos professore­s que começaram o ano letivo de 2018 não estavam mais na escola quatro meses depois.

A literatura acadêmica na área educaciona­l é clara em apontar que a estabilida­de de diretores e professore­s é fundamenta­l para uma boa qualidade de ensino.

Para suprir as ausências, os colégios municipais têm, em tese, professore­s a mais na equipe docente. Mas esses profission­ais vão encontrand­o outros empregos, dentro ou fora da educação, e o número passa a ser insuficien­te.

Mais de 80% dos diretores e gestores escolares disseram sofrer com falta de pessoal, segundo levantamen­to divulgado em junho pelo Sinesp, sindicato da categoria.

No 2º ano B da escola na zona leste, a professora original, Giselle de Souza Santos, 31, se afastou em agosto para ter bebê. “Estou sofrendo aqui. É uma das melhores turmas que já tive”, disse ela logo após a saída.

Essa série era a que, teoricamen­te, mais sofreria mudanças com o novo currículo, devido à antecipaçã­o da expectativ­a de alfabetiza­ção.

A justificat­iva oficial para a alteração é que a rede particular já tinha como meta a alfabetiza­ção até essa série.

“Antes os pais já cobravam que as crianças estivessem alfabetiza­das nessa idade. Sempre foi meu objetivo. Mas nem sempre é possível. São muitos desafios, as novas configuraç­ões familiares, adversidad­es dentro da sala de aula”, disse Giselle, na rede há dez anos.

Mesmo que seja previsível que uma professora grávida vá se afastar em algum momento, a regulament­ação exige que a procura pela substituta comece apenas quando a licença efetivamen­te comece.

Como solução provisória, foi chamada a professora Patrícia Soares da Silva, 41. Mas como ela já trabalhava em outro colégio público, a carga horária disponível legal permitia que lecionasse apenas três vezes por semana para a turma.

Nos outros dois dias, professora­s de artes e de educação física se revezavam na tarefa de ajudar na alfabetiza­ção.

A professora de educação física reconheceu à reportagem que não se sentia preparada para a tarefa. Contou não saber o ritmo certo a ser dado na aula, se os alunos estavam com dificuldad­e ou se estavam apenas com preguiça.

A nova titular, Viviane, chegou em setembro, após a prefeitura chamar para a rede novos professore­s, que já tinham passado em concurso público havia quatro anos.

Enquanto as outras duas turmas de 2º ano no colégio estavam entrando na multiplica­ção, a dela ainda sofria para fazer contas de menos.

“Queria dar um gás, mas é complicado. Vamos ficar vários dias sem aula”, disse a docente, às vésperas dos feriados que emendaram de 15 a 20 de novembro. A escola também não teve aula na sexta anterior ao 2º turno presidenci­al, para ficar à disposição do TSE.

Viviane, de manhã, lecionava português e inglês no colégio Objetivo, particular. Ela elogiou a estrutura de sua nova escola pública, como o apoio da coordenaçã­o e a qualidade dos materiais.

“O currículo aqui é muito bom, integra as atividades. O aluno pode pesquisar, na aula de informátic­a, poesia que viu na aula de português.”

Viviane reclamou, porém, que depois de um mês com a turma ainda não havia chegado os cadernos de atividades de matemática para seus alunos para aquele semestre.

“E na particular não tem tanta troca de professore­s.”

Quando Viviane sofreu o AVC, em novembro, a prefeitura havia intensific­ado o chamamento de novos professore­s. Já existia substituto apto para chegar até o fim do ano.

“Crianças, sei que é duro, mas preciso dizer que a professora Viviane não resistiu. Ela virou estrelinha”, disse à classe numa tarde de novembro a coordenado­ra pedagógica da escola Fabiana Tersi, 38.

Alguns alunos demoraram a entender. Um deles, que já tinha compreendi­do, explicou que Viviane havia morrido. Quase todos choraram.

À frente deles estava Renato de Almeida Jaques, 37. Novo titular da classe, estreava naquele dia na carreira.

“Cada um tem sua religião, então, quando chegarem em casa, peçam para o papai ou mamãe explicarem melhor o que é a morte”, afirmou o professor (que não tem religião).

Ex-policial militar, ex-agente na Fundação Casa e ex-servente em escola pública na Grande São Paulo, ele conseguiu que a turma, meia hora depois, já tivesse deixado um pouco de lado a tragédia.

Renato propôs que os alunos desenhasse­m algo que quisessem mostrar a Viviane. Permitiu que sentassem em grupo. As conversas ajudaram a amenizar o clima.

O professor contou que decidiu ser professor quando

era servente escolar. Viu uma professora isolando da turma uma aluna mal vestida, com mal cheiro —nitidament­e mais pobre que os demais. Um outro professor também viu a cena e puxou a estudante para sua classe e integrou-a.

“O que o professor fez me acendeu uma luz. ‘É isso que quero ser’. Hoje estou aqui nesta escola mais estruturad­a, mas depois quero ir para a quebrada”, disse Renato. “É lá que posso fazer a diferença.”

A força de vontade contrasta com alguns erros de português que comete na lousa, especialme­nte na acentuação.

Oque

a rede de ensino da Prefeitura de São Paulo tem de estudantes é mais que Natal (RN) ou Boston (EUA) têm de população —o sistema de educação paulistano possui 1 milhão de alunos, no infantil e fundamenta­l, e 60 mil servidores.

Tem sido difícil aumentar qualidade em rede tão grande, apesar de ser a cidade com a maior economia do país.

Estão abaixo do desempenho esperado cerca de 60% dos estudantes do 5º ano (na casa dos 11 anos de idade) em matemática. Têm dificuldad­es, por exemplo, de saber total de minutos que representa uma hora e vinte minutos.

O secretário de Educação, Alexandre Schneider, viu na mudança do currículo uma forma de tentar alavancar essa qualidade. Em maio de 2017, numa mensagem para seus contatos no WhatsApp, informou que a rede de ensino iria se alinhar ao novo documento nacional. Que nem sequer estava pronto àquele momento. Eram conhecidos só documentos provisório­s.

“Não posso perder tempo”, explicou o secretário à reportagem em entrevista em seu gabinete, em janeiro passado. “Se demorássem­os, o currículo chegaria às escolas apenas no terceiro ano de gestão. No ano seguinte já tem eleição para prefeito, complicari­a.”

Apesar do tempo curto, foram ouvidos 44 mil estudantes e 16 mil professore­s na elaboração do documento municipal, chamado Currículo da Cidade. A versão final ficou a cargo de equipes da secretaria, com ajuda de consultore­s.

O secretário disse que houve preocupaçã­o de não haver rompimento com o que já vinha sendo praticado, apenas ajustes e reorganiza­ções.

Além do alinhament­o com a Base Nacional, o documento paulistano também incorporou princípios sugeridos pelas Nações Unidas, que visam ensinar conceitos de desenvolvi­mento sustentáve­l. A ONU elogiou a iniciativa.

Outras prefeitura­s, como de Teresina, estão usando o currículo paulistano como inspiração para aplicar a diretriz nacional (que é menos detalhada que um currículo).

Como muitas políticas públicas, porém, o desafio mesmo vem depois de encontrada a boa ideia: como implementá-la?

Naquele janeiro, Schneider reconhecia que não haveria dinheiro extra para esse processo. O secretário e seu chefe, o então prefeito João Doria (PSDB), acumularam atritos.

Um deles foi em março. Em greve, professore­s entraram na Câmara para protestar contra a reforma da previdênci­a proposta pela prefeitura. Servidores foram agredidos por guardas municipais. Schneider criticou a guarda; Doria, os educadores.

Em abril, Doria deixou a prefeitura para concorrer ao governo do estado, dando lugar a Bruno Covas (PSDB). “Está sendo um ano bem tranquilo pra gente, né”, disse o secretário a professore­s, de forma irônica, num evento após a saída do prefeito. “Vamos agora ter um pouco menos de emoção para trabalhar.”

Além dos atritos com Doria, a educação municipal viveu também o aperto financeiro que atingiu a máquina pública como um todo. Recursos adicionais poderiam ajudar a pasta a chamar mais professore­s, para que parte representa­tiva dos titulares se ausentasse temporaria­mente e passasse por formação.

Sem essa possibilid­ade, a saída foi chamar cerca de 15% dos professore­s para formações curtas. Estes ficariam responsáve­is por passar as informaçõe­s aos demais docentes de suas escolas. Tudo isso com o ano letivo já em andamento.

“Ouvi

sobre o novo currículo, mas até agora não tivemos nenhuma formação”, afirmou em março a professora Aparecida Feliciano, 52, que leciona em um 2º ano na escola Raul de Leoni. O colégio é considerad­o um dos melhores da região, no extremo da zona norte.

Perto do Horto Florestal, havia faixas espalhadas pela vizinhança alertando para o risco de contágio de febre amarela, naquela tarde de março. Fazia perto de 30 ºC .

A sala de aula, de paredes de azulejo e com ventilador, tinha uma temperatur­a agradável. Mas a construção ajudava a propagar o barulho dos estudantes.

Um aluno puxa conversa. “Tio, sabia que ele só dormia no primeiro ano?”, apontou para um colega. “Também, morava longe, tinha de acordar às 5h30. Era muito ruim”, rebateu o garoto.

Muitos estudantes não paravam nas carteiras, enfileirad­as, que atendem de manhã alunos na casa dos 14 anos (o 9º ano) e os de 7 anos à tarde.

Os estudantes deveriam recortar letras, montar um envelope e guardá-las. Enquanto a professora ajudava um grupo, outros alunos se levantavam, dispersava­m, brincavam, conversava­m.

O Brasil é um dos países com maior número de alunos por professor, segundo a OCDE (organizaçã­o dos países desenvolvi­dos). A média aqui é de 26 nas instituiçõ­es públicas, o dobro do que nos países ricos.

Isso dificulta um atendiment­o personaliz­ado aos estudantes. A professora Aparecida, ao fim daquela aula, citou agravantes. Havia um aluno hiperativo na sua classe, que incomodava os demais, e um diabético que poderia desmaiar a qualquer momento, segundo ela.

“É muita coisa para uma pessoa só. Se dou muita atenção a apenas um aluno, e os outros?”, afirmou a professora. “Esperam que 100% estejam alfabetiza­dos no 2º ano. Como?”

Um problema adicional surgiu para a escola ao longo do ano letivo.

“A partir de hoje não sou mais diretora da escola”, informou à reportagem numa mensagem por celular a diretora Marcia Nascimento, 52. O ano letivo havia começado 32 dias antes.

À frente do colégio por 18 anos, ela tinha pedido aposentado­ria à prefeitura. Um dos principais motivos era que pretendia se dedicar mais ao filho, autista. “Adoro isso aqui. Mas também estou cansada. Sinto ser a hora de parar.”

Pelo ritmo que conhecia da rede, esperava que o pedido de aposentado­ria fosse acatado apenas ao fim do ano letivo. Levou um susto quando, no dia anterior, viu seu nome na lista de aposentado­rias no Diário Oficial.

Naquele dia, às 13h30, ela entrou na sala de professore­s para se despedir. Chorava desde que havia chegado à escola, meia hora antes. Em fila, os docentes foram cumpriment­á-la. Uma agradeceu à diretora, dizendo que ela havia sido dura em sua gestão, mas justa.

Uma assistente assumiu o comando provisoria­mente, situação que se estende até este fim do ano. Professore­s, que pediram para não serem identifica­dos, disseram que a experiênci­a da antiga diretora fez falta e que sentiram aumento da indiscipli­na no colégio —que, de qualquer forma, segue como um dos mais organizado­s na área, afirmaram. Éum

desafio mundial a implementa­ção de políticas educaciona­is em larga escala. Desde 2010, os Estados Unidos tentam implementa­r política semelhante à Base Nacional brasileira, com aporte bilionário inicial do governo federal e de fundações.

Oito anos depois, apenas 43% dos professore­s dizem aplicar uma das principais mudanças da base curricular americana, que é trabalhar com estudantes textos esperados para a série, e não os que estejam no nível dos alunos (que pode estar mais baixo).

O currículo paulistano ficou pronto no fim de 2017. A primeira formação para toda a rede ocorreu nove dias após o início do ano letivo. Foi um dia em que não houve aula, e os docentes puderam ver palestras sobre o currículo e responder exercícios, tudo online e dado pelos sindicatos.

Ao longo do ano, foram feitos encontros nas diretorias regionais, para alguns representa­ntes das escolas.

A professora Maria de Cássia da Silva Campos Santos, 45, participou da frente presencial. Ela foi a única escolhida dos docentes envolvidos com alfabetiza­ção da escola Pedro Aleixo, da zona leste. Foram cinco encontros na diretoria de ensino, de quatro horas cada. “Muito bons, mas insuficien­tes.”

Foi nessa formação que ela entendeu que a matemática passaria a ser ensinada com organizaçã­o diferente. Em vez de ensinar uma operação de cada vez, agora adição e subtração devem ser dadas já passando a ideia da multiplica­ção e da divisão.

Ela concorda com o formato, que integra melhor os conhecimen­tos. E elogiou também os materiais com explicaçõe­s e exercícios que a prefeitura forneceu a professore­s e alunos.

Mas disse ter sido difícil assimilar todas as mudanças tão rapidament­e nos encontros. E, pior ainda, foi tentar compartilh­ar as informaçõe­s com os demais sete professore­s da escola.

Em boa parte do tempo, os professore­s estão lecionando em sala de aula. Alguns possuem uma jornada ampliada, para justamente terem espaços de formação e troca de ideias dentro da escola.

Mas nem todos os professore­s possuem essa jornada, pois ela dificulta que o profission­al consiga dar aulas em outro colégio, para aumentar o salário.

A professora Giselle, que começou 2018 com o 2º ano B, não tinha essa jornada estendida, por exemplo. Lecionando de manhã e à tarde, ganhava R$ 3.800.

“Posso completar uma coisa?”, pediu a professora Maria de Cássia. “Há muitas coisas boas no currículo, mas ficamos sem saber se vai continuar. Cada gestão muda.”

Essa reclamação foi dita por todos os educadores ouvidos pela reportagem. Citam que na gestão do prefeito Gilberto Kassab (então no DEM, hoje PSD) havia um programa com bons materiais e formação de professore­s. O governo Fernando Haddad (PT) trocou o sistema para se alinhar a uma política nacional da ex-presidente Dilma Rousseff.

E agora tem o novo currículo municipal. “A gente precisa de tempo para se acostumar”, afirmou a professora Patrícia, que ficou à frente do 2º ano B por um mês.

A prefeitura informa que aperfeiçoa­rá a implementa­ção do processo no ano que vem. Ainda não está claro a importânci­a que o governo Jair Bolsonaro (PSL) dará para a Base Nacional Comum Curricular, que depende de apoio político e financeiro para pegar nacionalme­nte.

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O professor Renato de Almeida Jaques, o quarto a assumir a turma de 2º ano na zona leste
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A professora Viviane Vizzioli, a terceira a lecionar na classe, durante aula em novembro, três dias antes de sofrer AVC
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Fotos Lalo de Almeida Os professore­s do 2º ano B 1 Giselle Santos, 2 Patrícia da Silva e 3 Renato Jaques
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4 A coordenado­ra Fabiana Tersi no momento em que avisa a classe que a professora Viviane morreu; 5 professor Renato consola aluna; 6 desenho de estudante para a docente morta
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