‘Salvei essas peças’, diz ladrão de obras do Museu Nacional
Após entregar oito gravuras de Emil Bauch, instituto faz devolução de litografia e desenhos
O Instituto Itaú Cultural devolveu nesta segunda (3) mais quatro obras raras que haviam sido furtadas da Biblioteca Nacional em 2004 e que estavam em sua coleção Brasilianas, na avenida Paulista, em São Paulo.
As peças são a litografia “Rio de Janeiro Pitoresco” (1842-1845), de Buvelot e Moreau, e três desenhos que retratam a Amazônia, feitos entre 1865 e 1868, por Franz Keller-Leuzinger.
As quatro obras haviam sido vendidas ao Itaú Cultural pelo colecionador Ruy Souza e Silva, que ajudou a formar a coleção e também é ex-marido de Neca Setubal, uma das herdeiras do banco.
Souza e Silva também havia vendido as oito gravuras do alemão Emil Bauch que estavam expostas no centro cultural até março deste ano.
Depois que a Folha publicou uma reportagem sobre o assunto, as peças passaram por perícia na Biblioteca Nacional e foram devolvidas à instituição carioca.
Na ocasião, Souza e Silva afirmou ter comprado os trabalhos da casa de obras raras londrina Maggs Bros. e também que apresentou os seus recibos ao instituto.
Procurado novamente por email, o colecionador disse agora: “Terei oportunidade de esclarecer toda e qualquer dúvida das autoridades referente a origem dessas quatro obras”.
“Antecipo, contudo, que as Keller-Leuzinger foram compradas em leilão no Rio de Janeiro, tendo a Biblioteca Nacional recebido tempestivamente o referido catálogo para fazer as verificações de praxe e a gravura do Buvelot foi adquirida de um marchand de Petrópolis, com informações que se mostram verdadeiras sobre o vínculo dela com o acervo pessoal de membros da Família Imperial.”
O caso foi levantado em março pelo próprio ladrão das gravuras, Laéssio Rodrigues de Oliveira, que afirmou em carta à Folha ter roubado centenas de obras da Biblioteca Nacional e de outros museus e de tê-las repassado a colecionadores como Souza e Silva.
No ato de entrega nesta segunda, o delegado Paulo Teles afirmou que outras instituições prejudicadas devem procurar o Itaú e enviar listas de peças subtraídas. Citou a Biblioteca Mário de Andrade, o Museu Nacional, o Itamaraty, o Jardim Botânico, os arquivos Nacional e da Cidade do Rio, o Museu Histórico Nacional e o Instituto Fiocruz.
“É fundamental que essas instituições, entre outras, façam o mesmo trabalho que a Biblioteca Nacional. Laéssio Rodrigues está colaborando com a gente dizendo onde roubou e onde viu as obras que roubou no passado que estão expostas hoje”, disse o delegado federal.
É possível que as obras furtadas por Oliveira tenham ido parar em coleções particulares ou mesmo em outras instituições públicas e privadas.
Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, disse que as 2.800 obras da coleção Brasilianas estão à disposição. “Nós vamos procurar cada instituição listada pelo delegado e oferecer as obras que temos e que batem com roubos de cada uma. Se não tiverem especialistas em seu corpo técnico, podemos fazer uma parceria”, afirmou Saron.
Ele e a presidente da Biblioteca Nacional, Helena Severo, estão elaborando, em conjunto, um manual de conduta para a circulação de obras de arte. “Criaremos isso a partir de protocolos internacionais”, disse Severo.
A devolução das quatro obras é resultado do trabalho de análise comandado pelo perito Joaquim Marçal. A partir do cruzamento de centenas de obras furtadas em 2004 e 2005 da biblioteca com as do acervo do Itaú Cultural, o instituto enviou três lotes com 102 itens para o Rio.
A maioria do material teve resultado inconclusivo e 32 foram declarados como não pertencentes ao acervo.
‘Saía com as malas destrambelhadas de tão cheias’, diz ladrão
Laéssio Rodrigues de Oliveira, 45, é um ladrão com formação universitária. “Entrei na faculdade de biblioteconomia para saber como me portar no meio dos bibliotecários, apenas para roubar melhor”, conta ele, que cursou três anos na Fesp, na Vila Buarque, em São Paulo.
Furtando em todo o Brasil há mais de duas décadas, Oliveira estima já ter levado 60 mil itens das diversas instituições que visitou, a grande maioria deles revistas. “Só roubo revistas do século 19 até 1960”, explica. Fotografias, foram umas 10 mil. Do Mu- seu Nacional, que pegou fogo há três meses, ele diz ter furtado 3.000 gravuras, algumas revistas e 28 livros. “Salvei essas peças, não é mesmo? Ou hoje seriam cinzas.”
Oliveira já roubou de todo jeito: “No começo era tão fácil que eu chegava com duas malas enormes, vazias, dizendo que eu estava a caminho da rodoviária. Os funcionários não desconfiavam nos anos 1990. Saía com as malas destrambelhadas de tão cheias”, gargalha.
Depois, passou a entrar com mochilas, enrolava gravuras nas pernas, escondia nos banheiros, jogava pela janela etc. “Roubei umas mil revistas históricas da ECA-USP jogandoas pela janela da biblioteca.”
Após ser objeto do documentário “Cartas para um Ladrão de Livros”, que estreou no início do ano, Oliveira agora vai virar filme de ficção, com direção de Mauro Lima, de “Meu Nome Não É Johnny”.
“Ele é um criminoso, então vai ser um filme de anti-herói, mas é uma história eletrizante, na qual o espectador acaba torcendo por ele”, afirma Lima. Se tudo andar como deve, a obra deve estrear em 2020.
Oliveira, que já esteve cinco vezes na prisão, atualmente vive em liberdade e reponde a meia dúzia de processos. Não sente nenhum arrependimento e, com o passar do tempo deixou de sentir excitação com os roubos. “Acabou a adrenalina, o savoir-faire.”