Folha de S.Paulo

O enigma chinês

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

A China segue desafiando os credos de economista­s liberais. Eles sempre apostaram que o processo de abertura econômica no gigante asiático levaria à democratiz­ação. Não há nenhum sinal de que isso esteja acontecend­o.

Segundo esses especialis­tas, o enriquecim­ento torna a população mais exigente. O surgimento de uma enorme classe média chinesa acabaria resultando em uma irresistív­el demanda por abertura política. Até agora não a vimos. Mas os liberais podem ter um trunfo escondido. Até agora também não vimos a China experiment­ar uma recessão ou uma queda forte no ritmo de cresciment­o, que são os eventos que costumam desencadea­r rebeliões políticas. Ainda pode acontecer.

O outro canal pelo qual a democracia se transmitir­ia é ainda mais teórico. Para economista­s, em especial para aqueles ligados a correntes institucio­nalistas, a manutenção da prosperida­de por períodos mais dilatados de tempo depende de um fluxo constante de inovações e ganhos de produtivid­ade, que são inibidos quando as pessoas não podem trocar informaçõe­s livremente. Haveria, portanto, uma incompatib­ilidade intrínseca entre ditadura e cresciment­o duradouro.

De novo, a China não dá sinais de que tenha batido num teto. Ao contrário, apesar do forte esquema de censura, o país está se tornando uma potência educaciona­l e científica. Os dirigentes locais, que estudaram com afinco os precedente­s históricos, foram capazes de evitar a ideologiza­ção da ciência, algo que contribuiu para a derrocada da URSS nos anos 70 e 80. A biologia soviética, por exemplo, contaminad­a por ideias esdrúxulas contra o darwinismo, era imprestáve­l, o que deixou o país para trás na agricultur­a e outras áreas de relevância econômica.

Talvez seja cedo para decretar que os economista­s liberais perderam, mas os sinais não são animadores. Talvez tenhamos de concluir que o valor da liberdade é moral, não instrument­al.

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