Folha de S.Paulo

Criador e criatura

- Alvaro Costa e Silva

Se nenhuma surpresa acontecer, Francisco Dornelles ficará até o fim do ano como governador em exercício, desafio que ele, aos 83 anos, classifica como o último de sua vida pública. Também serão os derradeiro­s dias de poder do grupo liderado por Sérgio Cabral, cujas práticas corruptas causaram um prejuízo ao Estado de cerca de R$ 1,5 bilhão, segundo investigaç­ões da Lava Jato. O curioso é como as duas pontas do desastre se fecham: Dornelles foi um dos inventores políticos de Cabral.

Um passo decisivo na trajetória do ex-governador foi eleger-se, em 1995, presidente da Alerj, tornandose o coordenado­r dos pagamentos de propina a deputados estaduais feitos por empresário­s do setor de transporte­s. Cabral só conseguiu o cargo por indicação de Dornelles, na época uma das eminências pardas da chamada Nova República.

Francisco Dornelles praticamen­te nasceu dentro da coisa. É descendent­e de Amador Bueno, capitãomor e ouvidor da Capitania de São Vicente, e dos bandeirant­es Francisco Bueno e Bartolomeu Bueno, o Moço. Seu avô paterno era irmão da mãe de Getúlio Vargas. Seu pai casou-se com a irmã de Tancredo Neves. Secretário da Receita Federal no governo João Figueiredo, Dornelles costurou a aproximaçã­o do tio Tancredo com os generais da ditadura.

Com um pistolão desses, foi fácil para Sérgio Cabral assumir a liderança fisiológic­a do antigo PMDB fluminense. A diferença é que ele não seguiu o conselho da velha raposa: mostrar-se, dali em diante, um político conservado­r e discreto como manda o figurino.

Em seu livro recém-lançado “Se Não Fosse o Cabral” (Tordesilha­s), o jornalista Tom Cardoso conta que, por recomendaç­ão de Dornelles, Cabral passou a comprar lenços antioleosi­dade da marca japonesa Shiseido, uma das mais caras do mercado. São os mesmos que o governador em exercício continuará usando para enxugar o suor do rosto em seus últimos dias de poder.

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