Folha de S.Paulo

Não existe amor em SP

Prefeitos só desejam o cargo como trampolim

- Miguel de Almeida Escritor e diretor dos documentár­ios “Não Estávamos Ali para Fazer Amigos” e “Tunga, o Esquecimen­to das Paixões”

O paulistano é, antes de tudo, um forte.

Acompanhe a cena: emissários da prefeitura da mais rica cidade da América do Sul perturbam uma tranquila senhora de classe média. Ela é viúva de um importante engenheiro. O que desejam os amanuenses? Eles querem saber se — por acaso, Deus é pai, vai-que-damos-sorte, tóc-tóc três vezes— ela guarda documentos de projetos realizados por seu falecido marido e, se lá no meio, entre eles, há referência—cruze os dedos— a um viaduto de quase mil metros construído em uma das avenidas mais movimentad­as do planeta…

A senhora deve ter dado aquela risadinha interna, e respondeu que jogara tudo dele logo após sua morte.

Os emissários da prefeitura de uma das maiores cidades do mundo voltam à repartição com a cara de quem presenciou um karaokê com Roberto Justus e Marilia Gabriela.

Horas depois, o secretário municipal responsáve­l pela área viária tenta uma pirueta petista: afirma que o viaduto passou sim, óbvio, por uma vistoria meses atrás, e nada se verificou. E o laudo técnico? O amanuense é taxativo: não pode mostrar porque é documento sigiloso!

Imaginando, é claro, que esse laudo foi feito, que tenha havido uma inspeção e que a secretaria haja cumprido seu papel de cuidar da infraestru­tura da cidade. Sabe, eu, como João Doria, acredito que comunista come criancinha.

Até a data em que escrevo, seis quilômetro­s da marginal Pinheiros continuam interditad­os, e a prefeitura gastou apenas 5,3% do valor previsto na recuperaçã­o ou em obras em pontes e viadutos de São Paulo. Dos R$ 44,7 milhões reservados pela municipali­dade, somente R$ 2,4 milhões foram utilizados. Chamemos isso de criminalid­ade administra­tiva ou de Acelera São Paulo?

Não é por falta de aviso que o viaduto ruiu. Há pelo menos quatro prefeitos (Kassab, Haddad, Doria e o atual, Covas), o Ministério Público alerta que pontes e viadutos paulistano­s necessitam de reparos.

A pauliceia tenta reagir. Haddad não se reelegeu; Doria perdeu feio na capital para um desconheci­do governador tampão, e Bruno Covas, bem, quem é Bruno Covas?

Este é o problema da maior cidade da América Latina. Seus alcaides só desejam o cargo como trampolim. Em seus olhos e corações não há amor por São Paulo.

Não tivemos a sorte de um Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Ou de um Jacques Chirac, exprefeito de Paris. O milionário alcaide nova-iorquino, por exemplo, ofereceu desde o pensamento de moradias populares na riquíssima Manhattan (e não essa vagabundag­em do Minha Casa, Minha Vida petista ou do marqueteir­o Cingapura malufista) aos cuidados do bem-estar auditivo quando proibiu as buzinas dos carros —além de vetar que se fume dentro dos parques públicos (não vou falar do grande Giuliani, que tirou Nova York da falência e as gangues das ruas).

Foram prefeitos. E o que é um prefeito? É o cara que cuida da cidade onde você mora com carinho, como se fosse o seu jardim, o seu quarto e o seu escritório. Ele acorda e dorme com a cidade na cabeça. Mostra-se solidário com o espírito da comunidade, do mais simples amanuense ao banqueiro.

Como herdeiro da urbanidade de Baudelaire, observo São Paulo e Rio, cidades onde passei maior número de meus anos, e facilmente constato como discutimos grandes questões (Lava Jato, impeachmen­t etc) e elegemos uns sem-vergonhas de prefeitos, montados somente em suas ambições de alpinismo político. Convivemos com o pior asfalto do planeta, calçadas fora da lei, a falta de e o descuido com as áreas verdes. Peraí, quem é Bruno Covas?

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