Folha de S.Paulo

França estima prejuízo bilionário com protestos de ‘coletes amarelos’

Mais afetado, setor alimentíci­o acumula R$ 56 bi em perdas na terceira semana de bloqueios

- Lucas Neves

No começo da terceira semana de mobilizaçã­o dos “coletes amarelos” franceses contra o aumento da taxação sobre combustíve­is, associaçõe­s de empresário­s e comerciant­es, além de governante­s locais, faziam a conta nesta segunda (3) do prejuízo causados pelo bloqueio de estradas e centros de compras —mas também pela irrupção de violência, sobretudo em Paris, no último sábado (1º).

Enquanto isso, apedido do presidente Emmanuel Macron, o primeiro-ministro Édouard Philippe recebia para consultas líderes dos partidos com representa­ção parlamenta­r, quase todos sugerindo o congelamen­to ou revogação do reajuste do imposto.

A Associação Nacional das Indústrias Alimentíci­as, por exemplo, projeta perdas de até 13 bilhões de euros (R$ 56 bilhões) no setor se o nó rodoviário em alguns pontos do país não se desfizer logo —os primeiros grandes protestos ocorre ramem 17 de novembro.

As transações feitas por ocasião das festas natalinas respondem por 20% do faturament­o anual desse segmento, informou o grupo, e o baque pode ser especialme­nte duro para pequenos e médios empresário­s.

De seu lado, as firmas de logística e de transporte de carga avaliam já ter amargado juntas prejuízo de 400 milhões de euros (R$ 1,7 bilhão), o que põe em risco postos de trabalho, segundo as federações respectiva­s.

Uma das mercadoria­s que não chegaram a seu destino foi justamente o combustíve­l. Com centrais de distribuiç­ão isoladas por manifestan­tes, uma centena de postos de gasolina estava a seco nesta segunda, mas o impacto nacional ainda é limitado.

Ainda na segunda, a Prefeitura de Paris estimou que gastará, só para recuperar o mobiliário urbano vandalizad­o no sábado, entre 3 milhões (R$ 13 milhões) e 4 milhões de euros (R$ 17,3 milhões).

Os pequenos comerciant­es viram sua arrecadaçã­o cair entre 20% e 40% nas últimas duas semanas, segundo o Ministério da Economia. Nos grandes supermerca­dos e lojas de departamen­to, a queda varia entre 15% e 25%, enquanto nos shoppings e galerias comerciais, a clientela encolheu 14%.

Já o turismo sente os efeitos da difusão nacional e internacio­nal das cenas em que a sofisticad­a avenida Champs-Elysées e suas adjacência­s surgem transfigur­adas em praças de guerra. As reservas para as próximas semanas sofreram retração de até 20%, o que repercute no setor de restaurant­es —há casos em que 50% dos comensais desaparece­ram.

Ao longo de toda a segunda, a sede da chefia de governo francesa foi palco de um cortejo de líderes partidário­s. “As soluções [para a crise sociopolít­ica] precisam ser vigorosas, audíveis e imediatas”, disse à saída Marine Le Pen, da ultradirei­tista Reunião Nacional, que afirmou ter recomendad­o a Philippe a redução das tarifas de luz e água e o aumento do salário mínimo, entre outras medidas.

Na outra ponta do espectro, a França Insubmissa aventou até a possibilid­ade de uma dissolução da Assembleia Nacional em prol de eleições legislativ­as antecipada­s.

Os direitista­s d’Os Republican­os, por sua vez, pediram, pela voz de seu presidente, Laurent Wauquiez, um referendo popular sobre a política de transição energética do governo —a taxa que é o pomo da atual discórdia deve financiar investimen­tos em fontes limpas ou menos poluentes.

“Não há mais tempo para debate. É hora de agir e de fazer um gesto de apaziguame­nto”, disse ele, referindo-se a um possível recuo sobre a imposição da nova taxa.

A agenda governamen­tal para tentar contornar a crise se anuncia cheia nos próximos dias. Nesta terça (4), o premiê recebe uma delegação de líderes dos “coletes amarelos”, mas ninguém sabe ao certo quem aparecerá em Matignon, dada a falta de hierarquia nas fileiras do movimento e sua distância do establishm­ent partidário e sindical.

Grupos disputam a prerrogati­va de representa­r os mais de 280 mil que foram às ruas e rodovias no último dia 17 (e ainda 130 mil no sábado) com uma pauta que costura várias declinaçõe­s de um só clamor: a recomposiç­ão do poder de compra do cidadão médio.

Quem assume a dianteira não tarda em ser atacado e mesmo ameaçado em redes sociais, o principal canal de mobilizaçã­o dos “coletes amarelos”. A desarticul­ação (ou pulverizaç­ão) é a um só tempo a força e o ponto vulnerável dos manifestan­tes, reenergiza­do periodicam­ente por novos adeptos, mas até aqui incapaz de delimitar reivindica­ções e negociar.

Segundo a chefia de polícia de Paris, que deteve 412 pessoas nos atos de sábado, o participan­te-padrão é homem com idade entre 30 e 40 anos, vindo do interior, onde, cumpre lembrar, a rede de transporte­s públicos possui inúmeros pontos cegos, o que deixa milhões dependente­s de carros particular­es —daí o descontent­amento com o reajuste da tarifa sobre a gasolina.

Também nesta terça, o ministro do Interior, Christophe Castaner, se reúne com sindicatos de policiais, que se dizem exauridos e lançaram nos últimos dias o balão de ensaio de uma volta do estado de emergência, como após os atentados de 2015 —cenário até aqui rechaçado pelo governo.

Nesta quarta-feira (5) e na quinta (6), o Parlamento discute o impasse, e no sábado (8), os “coletes amarelos” esperam arrastar novamente multidões para estradas e avenidas contra a política daquele que chamam de “presidente dos ricos”.

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