Segregação racial em escolas resiste nos EUA
Proporção de etnias em um terço das instituições do país não segue o padrão do resto da população, aponta estudo
O professor Jose Luis Vilson, 36, dá aulas de matemática a 140 estudantes em Washington Heights, bairro com cerca de 150 mil habitantes em Manhattan, Nova York. Dentre seus alunos, com idades de 11 a 13 anos, somente um é branco (0,7% do total).
No bairro, a composição racial e étnica é de 62,3% de hispânicos, 17,4% de brancos e 15,6% de negros, segundo o site Statistical Atlas, que compila informações demográficas dos Estados Unidos com base no Censo de 2010.
Estatisticamente falando, há algo estranho nas turmas de Vilson. Socialmente falando, elas retratam um problema histórico: a segregação racial em escolas.
O problema deveria ter sido enterrado depois que, em 1954, uma decisão da Suprema Corte americana buscou corrigir o “apartheid” criado pela regra “separadas, mas iguais”, que segregava negros de brancos.
Apesar disso, em 2017, cerca de 33% das escolas americanas foram consideradas fora da distribuição normal estatística por um estudo da instituição de pesquisa Brookings. Em outras palavras: elas tinham um nível de representação de uma raça fora do padrão do estado onde ficavam.
Nos EUA, a ressegregação não foi um processo que aconteceu da noite para o dia. Envolveu decisões da Suprema Corte que flexibilizaram a exigência de que as autoridades fiscalizassem o equilíbrio racial e étnico nas escolas, além do fim de medidas que buscavam atingir essa igualdade, como o transporte de estudantes para colégios distantes de seus distritos de origem.
Vilson, descendente de latinos e negros, diz ter sentido a diferença. Quando criança, frequentava uma escola pública em Nova York ao lado de negros, asiáticos, latinos e brancos. No ensino médio, foi para uma escola em que de 75% a 80% dos alunos eram brancos. “Tive dificuldade, porque não tinha consciência do que era segregação quando criança.”
Isso aconteceu, em parte, por culpa da decisão de 1954, explica Jerry Rosiek, professor da Universidade do Oregon e autor de livro sobre o tema. “A lei não dava prazo e não estabelecia mecanismos de fiscalização”, diz.
Uma decisão da Suprema Corte de 1968 tentou corrigir isso, ao exigir que as escolas fixassem um plano para a mudança. Ainda assim, estima Rosiek, a maior integração racial nas escolas durou de cinco a seis anos e teve seu ápice no início dos anos 1980.
Alguns pais de alunos brancos começaram a buscar formas de evitar a maior integração, afirma Joseph Bagley, professor da Universidade Estadual da Geórgia.
No sul, diz, quando uma ordem judicial obrigava uma escola pública a dessegregar, uma escola privada era fundada no mesmo ano e para lá iam os alunos brancos. Assim, em Mississippi, sul da Geórgia e Alabama, há escolas públicas inteiramente negras.
Nos Estados Unidos moderno, segregar é fácil. O levantamento da Brookings conclui que, hoje, a divisão responde a uma dinâmica habitacional: negros e latinos costumam morar nas áreas mais pobres das cidades.
Parte das escolas públicas recebe financiamento a partir da coleta de impostos dos moradores da região, explica Matthew Diemer, professor de educação e psicologia da Universidade de Michigan. “Em áreas mais pobres, a renda é menor, e a coleta também. Logo, menos recursos são transferidos para as instituições que recebem os estudantes locais”, diz.
Enquanto isso, alunos brancos com dinheiro moram em distritos mais abastados e têm acesso a escolas públicas melhores, quando não frequentam instituições privadas.
Uma alternativa recente que tem somado ao problema são as escolas autônomas. Elas recebem financiamento do go- verno, mas não precisam seguir todas as regras das escolas públicas.
No Texas, as escolas autônomas são populares porque os latinos querem mandar os filhos para os locais frequentados pelos latinos ricos”, diz Julian Heilig, professor da Universidade Estadual Sacramento da Califórnia.
Ele defende a adoção de políticas nacionais de integração. “Se não decidirmos como nação, vamos ter um apartheid aqui”, diz.
Jennifer Ayscue, do The Civil Rights Project, projeto da Universidade da Califórnia, analisou o modelo em Charlotte, na Carolina do Norte, uma cidade que era exemplo de integração racial. Essas instituições atraíram estudantes brancos e asiáticos que frequentavam colégios públicos antes.
Com medo de provocar uma fuga maior desses alunos, os legisladores distritais elaboraram planos pouco agressivos e que não ajudam a resolver o problema, afirma Ayscue.
Medo é também a palavra usada por Joseph Bagley, da universidade da Geórgia, para resumir o que está por trás dos esforços para manter a segregação racial nos EUA.
“É medo de perder poder político, eleitoral, de enfrentar uma sociedade diversificada. O que você está vendo são as mudanças demográficas e esse medo profundo de perder identidade cultural”, diz.
Algumas iniciativas tentam melhorar o panorama. Em Berkeley, na Califórnia, um modelo de dessegregação inclui os fatores racial e socioeconômico.
“Se você educa as crianças, em algumas gerações, reduz significativamente o problema. A comunidade evolui e passa a não ter mais essas motivações raciais”, afirma Jerry Rosiek, da Universidade do Oregon.