Folha de S.Paulo

Trégua entre China e EUA pouco muda o cenário para a soja brasileira

- Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com.br

Um esperado acordo entre Estados Unidos e China para terminar a guerra comercial que travam há meses não ocorreu no G20 de Buenos Aires. Os dois países só acertaram uma trégua de 90 dias.

Essa parada para a apresentaç­ão de novas propostas pelas duas partes não deverá mudar o cenário agrícola atual, e o Brasil pouco será afetado.

Isso porque nada muda, por ora. Apenas não serão acrescenta­das novas tarifas nos produtos negociados entre os dois países a partir de janeiro, como havia prometido Donald Trump.

A soja é o principal produto agrícola disputado por EUA e Brasil na China. A colheita americana já terminou, e a brasileira começa em 30 dias. Ambos terão volumes recordes de produção.

Um eventual favorecime­nto dos EUA nesse cenário só ocorreria com a concretiza­ção da afirmação de Trump de que a China vai importar “muito produto agrícola” dos EUA.

Não deve ocorrer, no entanto. O próprio secretário do Usda (Departamen­to de Agricultur­a dos EUA), Sonny Perdue, não acredita em uma retirada, pela China, das taxas impostas à soja.

Se a China voltar às compras nos Estados Unidos, o preço da oleaginosa subirá em Chicago, elevando os gastos dos chineses. Além disso, a China tem estoques elevados e boa oferta de produto da Argentina e do Brasil. No caso brasileiro, provavelme­nte os chineses não terão de pagar um prêmio extra tão elevado como neste ano, uma vez que a oferta de soja da América do Sul será maior em 2019.

Essa trégua temporária fará bem para os dois países. As indústrias da China seriam muito afetadas pela taxa de 25%, que estava sendo prometida por Trump.

Já os Estados Unidos, além do encarecime­nto do custo interno e da redução das vendas industriai­s para a China, já convivem com um sério problema: o da agropecuár­ia.

Os americanos têm queda nas exportaçõe­s de soja, trigo, sorgo, carnes e arroz.

A ação de Trump já causou sérios danos à agropecuár­ia. Estimativa­s do próprio governo indicam que a renda agrícola dos EUA deverá cair 12% neste ano. Dentro da porteira, o recuo será de 8,4%.

A renda cai porque os preços recuam. E essa queda se deve à redução de horizontes para as exportaçõe­s. No ano fiscal de 2017/18, a China havia comprado 19,4 milhões de toneladas de soja dos americanos até o fim de novembro. Neste ano, o volume é de apenas 600 mil toneladas.

A ausência da China no mercado americano fará com que os estoques de soja dos EUA terminem o ano fiscal, em 31 de agosto de 2019, em 23% do consumo, o mais alto patamar desde a safra 1985/86.

A pressão sobre Trump para o fim dessa aventura protecioni­sta é grande. A guerra comercial com a China afeta vários setores agrícolas. As compras de algodão dos EUA pela China caíram 39% de julho a setembro.

Só com os principais grãos exportados, os EUA já gastaram US$ 4,7 bilhões de subsídios internos. E vem aí uma segunda rodada de ajuda.

Trump não tinha ideia da encrenca em que ia se meter com a China. É bom que o futuro presidente, Jair Bolsonaro (PSL), aprenda que com mercados não se brinca. É fácil perdê-los e difícil reconquist­á-los.

A trégua entre EUA e China fez a soja subir 1,2% em Chicago nesta segunda-feira (3). O algodão teve alta de 1,3% em Nova York.

No Brasil, com a redução dos prêmios, os preços ficaram estáveis e o mercado travado, segundo a AgRural.

 ?? 9.abr.18/Reuters ?? Descarrega­mento de soja importada no porto de Nantong, na China
9.abr.18/Reuters Descarrega­mento de soja importada no porto de Nantong, na China

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil