Folha de S.Paulo

Brasília como ela é

Bolsonaro modera corte de pastas e negocia com siglas; eleito ainda não mostra estratégia clara para aproveitar o bônus político do início de mandato

- Editoriais@grupofolha.com.br

Sobre ministério e contatos políticos de Bolsonaro.

A Esplanada brasiliens­e conta com 17 edifícios idênticos, mais os dois palácios que abrigam as pastas da Justiça e das Relações Exteriores. Desde a inauguraçã­o da cidade, em 1960, a crescente complexida­de da administra­ção pública e as imposições da política tornam o espaço insuficien­te para comportar a estrutura do Executivo federal.

Ali, nos prédios em anexo e em outros pontos distribuíd­os pela capital, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), reunirá 22 ministério­s —sete abaixo do número atual, mas também sete acima do anunciado na campanha para demonstrar o compromiss­o com o enxugament­o do Estado e o fim do toma lá dá cá com os partidos.

Da promessa à realidade, a diferença beira os 50%. Boa parte do período de transição de governo tem sido consumida com o redesenho do primeiro escalão, ao qual não faltam sinais de improviso.

Depois de idas e vindas, acabou extinto o octogenári­o Ministério do Trabalho, cujas verbas de quase R$ 90 bilhões anuais serão remanejada­s para outros órgãos.

Sobreviveu, entretanto, a minúscula pasta do Turismo, criação fisiológic­a da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que não conta com mais de R$ 560 milhões no projeto de lei orçamentár­ia para 2019. Seu comando caberá a um deputado do PSL de Bolsonaro.

Um hipertrofi­ado Ministério da Cidadania tratará de temas tão díspares como o programa Bolsa Família, a Lei Rouanet de incentivo à cultura, as políticas sobre drogas e o fomento do esporte. O do Meio Ambiente, que acabou preservado, ainda não tem titular definido, assim como o dos Direitos Humanos.

É indiscutív­el, de todo modo, que o presidente eleito se manteve fiel ao propósito de extinguir o loteamento de cargos entre as legendas aliadas —aliás, nem mesmo há declaraçõe­s formais de apoio ao governo até o momento.

Apenas seis dos ministros já indicados têm vida partidária, e as escolhas não estão ligadas a barganhas por votos no Congresso.

Também nessa seara, contudo, o futuro governo parece adaptar-se às exigências de Brasília. Nesta terça-feira (4), Bolsonaro dirigiu-se à capital para encontros com MDB e PRB. Nos próximos dias serão outras siglas, numa mudança em relação à estratégia de privilegia­r entendimen­tos com bancadas temáticas como a dos ruralistas.

O eleito terá de buscar algum equilíbrio entre o imperativo de renovar as práticas da política nacional —sem o que frustrará seu eleitorado— e a necessidad­e de obter apoios para reformas econômicas tão indigestas quanto urgentes.

A tarefa é sempre menos árdua nos primeiros meses de mandato, enquanto prevalece a memória do resultado das urnas. O que não se viu ainda foi uma estratégia clara para o uso desse período precioso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil