Folha de S.Paulo

Macron cede, e França suspende aumento de combustíve­is

Protestos dos ‘coletes amarelos’, alguns violentos, têm levado milhares às ruas há três semanas

- Lucas Neves Pascal Rossignol/Reuters

Em uma derrota emblemátic­a para o governo Emmanuel Macron, o primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, anunciou nesta terçafeira (4) o congelamen­to do reajuste da taxa sobre combustíve­is que entraria em vigor em 1º de janeiro.

Protestos contra o aumento do imposto, alguns deles extremamen­te violentos, levaram milhares de pessoas às ruas e rodovias do país nos três últimos sábados, numa mobilizaçã­o apelidada de “coletes amarelos”, por causa do acessório usado pelos manifestan­tes —obrigatóri­o para todo motorista na França.

A suspensão da alta da alíquota vai vigorar por seis meses, mesmo intervalo em que ficará em ponto morto o processo de convergênc­ia de preços do diesel e da gasolina. Em sua origem, as duas medidas governamen­tais visavam, respectiva­mente, financiar e incentivar a transição energética francesa para fontes limpas ou menos poluentes.

Além disso, Philippe afirmou que não haverá reajuste nas tarifas de eletricida­de ao menos até maio de 2019 e que o plano de tornar mais rigorosa a vistoria periódica de automóveis também foi adiado.

Macron vinha repetindo desde o primeiro grande ato dos “coletes amarelos”, em 17 de novembro, com mais de 280 mil participan­tes pelo país, que não revogaria a revisão da taxa sobre combustíve­is.

A violência dos protestos o fez capitular, sobretudo a registrada em Paris no sábado (1º), quando centenas de pessoas ficaram feridas, equipament­os públicos da região do Arco do Triunfo (e o próprio monumento) foram vandalizad­os e houve enormes prejuízo para o comércio.

“Essas decisões devem restabelec­er a serenidade no país”, disse Philippe. “Estabelece­r metas e as perseguir é imperativo para governar a França. Mas nenhuma taxa merece colocar em risco a unidade nacional.”

Antes, em reunião com a bancada governista na Assembleia Nacional, o premiê havia mencionado a irrupção de “raiva profunda e antiga, escondida por muito tempo por pudor e orgulho”. Para ele, era preciso “dar aos franceses um motivo para voltar à razão”.

A perda de arrecadaçã­o do governo com o pacote foi estimada pelo jornal Le Monde em € 2 bilhões (R$ 8,7 bilhões).

No começo da manhã, quando saíram na imprensa as primeiras informaçõe­s sobre o passo atrás, líderes da oposição já haviam ido ao ataque, dizendo que a moratória temporária do aumento do imposto não era suficiente e que era preciso abandonar a ideia de uma vez por todas.

“O governo quer amarrar o debate a alteridade­s falsas: ecologia ou poder aquisitivo, serviços públicos ou impostos”, afirmou pouco depois o presidente do Partido Socialista, Olivier Faure. “O que pedimos é justiça fiscal.”

A chefe da Reunião Nacional (direita radical), Marine Le Pen, destacou o prazo de vigência das medidas recémanunc­iadas, que terminaria logo após as eleições europeias de maio de 2019.

Na disputa continenta­l, Macron pretende capitanear uma frente pró-Europa, em contraste com o nacional-populismo encarnado por Le Pen e por líderes como Viktor Orbán (premiê da Hungria) e Matteo Salvini (vice-premiê da Itália).

Representa­ntes dos “coletes amarelos”, grupo que não possui líder claro, fizeram coro com a oposição. Uns falaram em migalhas de pão (“queremos a baguete completa”), outros, em “passos de formiga”.

“São só suspensões de decisões que teriam piorado ainda mais nossa situação. Nada do que foi divulgado a melhora”, disse à agência France Presse uma “colete amarelo” de Bordeaux.

Por isso, a convocação para uma quarta jornada de atos, neste sábado (8), está mantida –o Ministério do Interior informou que vai aumentar o efetivo policial para lidar com a pulverizaç­ão dos atos.

O movimento tem pauta pletórica, que segue crescendo a cada dia. Mas alguns dos pontos sobre os quais boa parte parece concordar são o aumento do salário mínimo (hoje de € 1.500, ou R$ 6.500) e a diminuição dos impostos sobre aposentado­rias.

Em termos amplos, o que se pede é uma recuperaçã­o do poder aquisitivo da classe média. Os “coletes amarelos” não toleram uma das primeiras medidas de Macron ao chegar ao Palácio do Eliseu, em maio de 2017: a extinção do imposto sobre fortunas.

A supressão do tributo foi justificad­a à época como expediente para diminuir a evasão de divisas e estimular o investimen­to em território francês.

A classe média, entretanto, viu no gesto a primeira traição de um “presidente dos ricos”. Quem também anda insatisfei­to com Macron, ainda que por outras razões, são os estudantes de ensino médio. Os jovens se queixam da reforma do currículo pedagógico.

Na segunda (3), a esse descontent­amento se somou a vontade de demonstrar solidaried­ade aos “coletes amarelos”. Estudantes bloquearam cerca de 200 escolas em diferentes cidades, além de cometer atos de vandalismo.

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Manifestan­te bloqueia estrada entre Paris e Bruxelas perto de Fontaine-Notre-Dame, na França, nesta terça (4)

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