Folha de S.Paulo

Macron na planície

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Por maior que seja seu prestígio, governante­s que se distanciam das demandas dos governados tendem à impopulari­dade e, cedo ou tarde, são forçados a lhes dar satisfação. Nessa situação encontra-se o presidente da França, Emmanuel Macron, que tentou contornar, em vão, uma onda de manifestaç­ões de rua em curso há semanas.

Talvez pelo fato de que o direito de protestar esteja tão incorporad­o à vida política do país o mandatário tenha subestimad­o os “coletes amarelos” —termo pelo qual ficaram conhecidos os participan­tes desses atos, por vestirem o acessório que todo motorista deve levar no carro como item de segurança.

Entretanto a resistênci­a e a capacidade de mobilizaçã­o do grupo logo ficaram claras com o bloqueio de estradas —a exemplo do que caminhonei­ros fizeram no Brasil— e o fechamento de lojas por dias. Nesta terça (4), Macron cedeu à principal queixa e suspendeu, por seis meses, o aumento de um imposto sobre os combustíve­is.

A medida marca uma inflexão em um governo determinad­o a empreender uma agenda de reformas, em larga medida necessária­s para modernizar o Estado e dinamizar a economia, sem se importar com contestaçõ­es de oposicioni­stas ou dos demais cidadãos.

Amparava-se o presidente no grande respaldo das urnas, com 66% dos votos, e no posterior triunfo legislativ­o que conferiu a seu então recém-fundado partido maioria na Assembleia Nacional.

Aos olhos de Macron, o eleitorado, de fato desiludido com as legendas tradiciona­is à esquerda e à direita, dava-lhe carta branca para adotar um novo modelo de administra­ção, que o dispensari­a de negociar projetos com as demais siglas e de recorrer a canais de mediação, como sindicatos.

Tal era a confiança em si mesmo que, mais de uma vez, afirmou que os franceses esperavam um líder “jupiterian­o”, alguém com altivez e autoridade semelhante­s ao deus maior na mitologia greco-romana. Não tardou para críticos, com certa razão, enxergarem arrogância.

Eis que o mandatário se vê impelido a descer do Olimpo por um movimento de reivindica­ções mundanas. Sem comando claro e aparenteme­nte dissociado­s de interesses partidário­s, os “coletes amarelos” reclamam do preço da gasolina, mas também da carga tributária em geral e do plano de alterar os regimes de aposentado­ria.

Cabe a Macron demonstrar habilidade para ouvir quem se sente desassisti­do e empreender sua plataforma de forma gradual. Os franceses, agora, pedem um presidente mais terreno.

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