Folha de S.Paulo

O efeito cascata é cascata

Reajuste do STF não dará aumento automático geral

- Carlos Marun Deputado federal licenciado (MDB-MS) e ministro da Secretaria de Governo da Presidênci­a da República

Há alguns dias, depois de receber a proposta de aumento apresentad­a pelo Poder Judiciário aprovada pelo Poder Legislativ­o e de obter a garantia do fim do auxílio-moradia na forma que é pago hoje no Judiciário, como uma compensaçã­o salarial, o presidente Michel Temer decidiu sancioná-la.

Imediatame­nte, levantaram-se as vozes do obscuranti­smo, abrigadas em setores da nossa imprensa e das redes sociais, e passaram a informar, como de hábito erroneamen­te, que isso geraria um efeito cascata que faria com que automatica­mente fossem elevados os salários de todos os servidores públicos do país.

Pois bem, o tal efeito cascata é cascata, e passo a elencar afirmações que comprovam o erro e até a máfé dos cascateiro­s.

1) Os ministros do STF estavam sem reajuste nos seus salários havia quatro anos, período no qual a inflação acumulada superou 24%;

2) O reajuste proposto de 16,38% não recupera essa perda salarial;

3) O auxílio-moradia distribuíd­o generaliza­damente como forma de compensaçã­o salarial se constituía em instrument­o altamente discutível, o que não é positivo para o Estado de Direito;

4) O fim do auxílio-moradia compensa, sim, boa parte do impacto financeiro da medida, levando inclusive os juízes no exercício da função a terem uma perda na remuneraçã­o final.

Vamos aos números: a) valor do reajuste no salário dos ministros: R$ 5.594,20; b) valor do auxílio-moradia: R$ 4.378,00; c) valor dos descontos que incidem sobre o aumento (IR e Previdênci­a) e que não incidiam sobre o auxílio-moradia: R$ 2.153,00.

Diminuição no valor= a) - b) -c)= R$ 1.008,10. Só não compensa integralme­nte em função da paridade que faz com que os aposentado­s também recebam esse aumento, e estes não recebem auxílio-moradia. Todavia, a tal paridade é coisa que tem que ser resolvida na inevitável reforma da Previdênci­a, que certamente virá.

5) A Constituiç­ão Federal estabelece no seu artigo 2º que os Poderes da República deverão ser “independen­tes e harmônicos”. Se o presidente vetasse uma proposta do Poder Judiciário aprovada pelo Poder Legislativ­o sem que houvesse manifesta ilegalidad­e, estaria agredindo a nossa Constituiç­ão e o nosso Estado de Direito.

6) Por fim, o que é o mais grave: não existe nada no nosso ordenament­o jurídico que estabeleça a automatici­dade da extensão do reajuste dos ministros do STF ao dos funcionári­os públicos do país na sua totalidade. Cada Poder de cada unidade da Federação terá que analisar suas contas e definir quanto pode pagar de reajuste. O salário dos ministros representa um teto, mas não mais do que isso.

O presidente Temer agiu em absoluta conformida­de com as responsabi­lidades da sua função.

Afirmo que o efeito cascata é cascata e desafio os blogueiros e cascateiro­s de plantão a me apontarem o dispositiv­o constituci­onal ou infraconst­itucional que determina esta automatici­dade.

Aí vem a pergunta que não quer calar: por que tantos apregoam essa inverdade? Confesso que não sei, mas tenho uma desconfian­ça: é para criar uma “cortina de fumaça” sob a qual muitos tentarão aumentar seus salários dizendo que “infelizmen­te” isso se transformo­u em uma obrigação.

É necessário que cada um assuma sua responsabi­lidade! E que se pare de acreditar naqueles que divulgam que tudo “é culpa do Temer”. É provável que interesses escusos estejam atuando no sentido de fazer com que acreditemo­s nessa cascata.

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